Se retornarmos no tempo, atingindo a época de edição do Código de Processo Penal, em 1941, verificaremos ter sido a prisão cautelar a regra ao acusado, enquanto a liberdade no transcurso do processo, a exceção. A prisão em flagrante provocava o recolhimento ao cárcere e somente em crimes afiançáveis e dos quais o indiciado se livrava solto (contravenções penais, por exemplo) teria condições de ser posto em liberdade. Não havia, por certo, a prisão temporária, mas era tolerada a denominada prisão para averiguação, quando a polícia prendia para investigar, sem mandado judicial e sem ordem do juiz. A pronúncia, no procedimento do júri, acarretava, invariavelmente, a prisão do acusado para que aguardasse detido o seu julgamento. No processo comum, uma vez condenado, deveria recolher-se ao cárcere para poder recorrer.
Com o passar do tempo, verificou-se a necessidade de alterar esse quadro, pois a liberdade do ser humano deve ser a regra, assim como a presunção de sua inocência o horizonte maior. Aos poucos, embora permeado de alguns casuísmos, a legislação ordinária alterou-se nos anos 70, passando-se a admitir que o réu primário e de bons antecedentes pudesse aguardar o julgamento pelo Tribunal Popular em liberdade e também pudesse recorrer sem necessidade de se recolher à prisão. Aceitou-se, ainda, a possibilidade de concessão de liberdade provisória, sem fiança, a delitos mais graves, desde que não estivessem presentes os requisitos para a decretação da prisão preventiva. Somente por tais medidas, a estrutura geral das prisões cautelares sofreu mutação positiva considerável.
Outro grande impacto adveio com a promulgação da Constituição Federal de 1988, quando foram introduzidos vários preceitos limitadores da prisão cautelar, disciplinando a atividade persecutória e policial do Estado. O juiz passou a ser a principal figura no cenário das prisões, decretando-as, fundamentadamente, com competência para tanto, bem como as fiscalizando. O Judiciário não mais tolerou a informal prisão para averiguação, dando palco ao surgimento da Lei da Prisão Temporária, até hoje em vigor. A presunção de inocência passou a figurar como princípio constitucional e afirmou-se no contexto do processo penal brasileiro. Alguns pontos ainda eram lacunosos.
As Leis 11.689/08 e 11.719/08 modificaram, substancialmente, a estrutura da prisão cautelar, de modo positivo, no Código de Processo Penal. Desaparece o binômio primariedade e bons antecedentes, como fator único de apreciação, para a concessão do direito de aguardar o julgamento pelo júri em liberdade ou para a concessão do direito de recorrer sem se recolher à prisão. Não mais deve o magistrado, para análise da liberdade provisória, ater-se, unicamente, ao referido binômio. O foco passa a ser os requisitos da prisão preventiva, como coluna vertebral do corpo processual penal. Os fatores descritos no art. 312 do Código de Processo Penal são as fontes de inspiração para que os operadores do Direito possam analisar, decidir e julgar se cabe ou não a decretação da prisão cautelar de qualquer indiciado ou réu.
Portanto, quem for preso em flagrante, não se tratando de crime afiançável, nem infração de menor potencial ofensivo, deve submeter-se à avaliação do juiz para receber o benefício da liberdade provisória. Esta deve ser a regra e não a exceção. Para tanto, o magistrado verificará se os requisitos da preventiva estão presentes. Se estiverem, mantém o flagrante, agora sob as bases estabelecidas pelo art. 312 do CPP. Se não estiverem visíveis, concede ao indiciado a liberdade provisória, sem fiança.
O réu pronunciado deverá permanecer em liberdade ou ser solto, conforme o caso, se o magistrado concluir, ao final da fase de formação da culpa, não estarem presentes os requisitos da prisão preventiva. Por outro lado, se estiver solto, poderá ser cautelarmente preso, desde que os elementos do art. 312 do CPP surjam nos autos à vista do juiz.
A sentença condenatória, ainda que imponha pena privativa de liberdade, em regime fechado ou semi-aberto, não poderá acarretar a prisão cautelar. Tal medida somente será tomada se as condições estiverem concretizadas, vale dizer, os elementos do art. 312 do CPP. Do contrário, é direito do sentenciado recorrer em liberdade.
Há lacunas ainda existentes no cenário das prisões cautelares. Futuras reformas deverão cuidar disso. Exemplos que podem ser mencionados: a) o sistema da fiança é pífio, praticamente inexistente. Os crimes mais leves são afiançáveis, ou seja, o indiciado paga para deixar o cárcere; os delitos mais graves não são afiançáveis, mas o indiciado deixa o cárcere do mesmo jeito, sem pagar fiança. Que justiça é essa?; b) os requisitos da prisão preventiva merecem maior detalhamento, em particular, os que dizem respeito à garantia da ordem pública e à garantia de ordem econômica. Cabe ao legislador fixar parâmetros um pouco mais estreitos nesse campo, de modo a uniformizar o contexto das prisões cautelares. Afinal, garantir a ordem pública, atualmente, quando se vive época de aumento de criminalidade, é expressão que perdeu qualquer sentido prático.
Ao longo dos anos, as modificações vêm sendo realizadas no âmbito das prisões cautelares, aguardando-se, entretanto, que melhoras significativas ainda sejam implementadas no futuro.