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Análise da instituição do júri sob a ótica dos seus princípios constitucionais

1. Perfil histórico no Brasil

Em 18 de junho de 1882, por iniciativa do Príncipe Regente, D. Pedro, criou-se o Tribunal do Júri no Brasil, com o objetivo de julgar os crimes de imprensa. Era composto por juízes de fato, em número de 24 cidadãos, “homens bons, honrados, inteligentes e patriotas”. Após o julgamento, somente caberia apelo para a real clemência do Regente.

A Constituição do Império, de 1824, inseriu-o no Capítulo relativo ao Poder Judiciário (art. 151, Título 6, Capítulo Único). Não havia qualquer conotação de se tratar de um direito ou uma garantia humana fundamental. Proclamada a República e editada a nova Constituição de 1891, o júri passou a integrar a Seção II, do Título IV, que cuidava da “declaração de direitos”. O seu novo status deveu-se à influência de Rui Barbosa, ardoroso defensor da instituição. O texto constitucional, entretanto, era lacônico: “é mantida a instituição do júri” (art. 72, § 31). Ausentes outras características, coube ao Supremo Tribunal Federal, em 1899, fixar-lhe a feição, como a composição por jurados qualificados periodicamente pelas autoridades, um conselho de sentença escolhido aleatoriamente, a incomunicabilidade dos jurados em relação a estranhos ao conselho, o julgamento conforme a consciência e a irresponsabilidade pelo voto proferido.

Na Constituição Federal de 1934, o Tribunal do Júri tornou a ocupar seu lugar no capítulo relativo ao Poder Judiciário. A Carta Constitucional de 1937, entretanto, retirou a instituição do júri do seu texto. Apesar de se levantar a tese, à época, de que teria sido extinto o Tribunal Popular, na realidade, tal não se deu, pois o Decreto-lei 167/38 regulou o seu funcionamento. Destinava-se ao julgamento dos seguintes delitos: homicídio, infanticídio, induzimento ou auxílio a suicídio, duelo com resultado morte ou lesão seguida de morte, roubo seguido de morte e sua forma tentada.  Não havia, no entanto, soberania em relação aos seus veredictos.

O retorno à democracia trouxe à cena a Constituição Federal de 1946. Inseriu-se, então, novamente o júri dentre os direitos e garantias fundamentais: “é mantida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, contanto que seja ímpar o número dos seus membros e garantido o sigilo das votações, a plenitude de defesa do réu e a soberania dos veredictos. Será obrigatoriamente da sua competência o julgamento dos crimes dolosos contra a vida” (art. 141, § 28).

A Constituição de 1967, produzida sob o regime militar, manteve a instituição do júri no contexto dos direitos e garantias fundamentais: “são mantidas a instituição e a soberania do júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida”. A Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969, dando nova redação à Constituição de 1967, conservou o júri no mesmo capítulo, porém com redação normativa diversa: “é mantida a instituição do júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida”.

Advindo a Constituição Federal de 1988, após a redemocratização do Brasil, com o retorno do poder aos civis, revigorou-se o júri nos moldes já preconizados pela Constituição de 1946. Manteve-se no contexto dos direitos e garantias individuais, figurando no art. 5º, XXXVIII: “é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida”.

A composição e o funcionamento do Tribunal Popular vêm sendo regidos, há cerca de 66 anos, pelo Código de Processo Penal (Decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1941). Recentemente, editou-se a Lei 11.689, de 9 de junho de 2008, modificando substancialmente a estrutura do júri no Brasil. Pretendemos analisar o cenário da instituição sob a perspectiva constitucional e em qual medida a reforma recém produzida, na legislação ordinária, aproximou ou distanciou o Tribunal Popular de seus princípios constitucionais.

2. O júri como direito e garantia humanas fundamentais

Considerando-se o direito individual como aquele que se concretiza sozinho, devendo o Estado apenas reconhecer a sua existência (ex.: direito à vida, à liberdade, à integridade física) e a garantia individual como aquela que depende da atuação estatal para criá-la e assegurar o seu cumprimento (ex.: ampla defesa, contraditório, juiz natural), pode-se concluir que as garantias destinam-se, basicamente, a assegurar a existência e preservação dos direitos.

Por outro lado, sabe-se que há direitos e garantais materiais e direitos e garantias formais. As materiais são as universalmente aceitas, tal como se fosse um direito supraestatal, de interesse de todos os povos. Consultando-se documentos e cartas de direitos humanos, internacionalmente aceitos, neles serão encontradas. As formais dizem respeito às particularidades de um determinado ordenamento jurídico, que, por critérios próprios, resolve eleger algum direito ou garantia como fundamental, inserindo-o no texto constitucional com tal apelo. Não são localizados os direitos e garantias formais nos documentos internacionais cuidando do tema.

O Tribunal do Júri, constituído no Brasil como direito e garantia fundamentais, por sua inserção no art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal de 1988, encontra-se em nível meramente formal. Isso não significa que seu valor deva ser menosprezado ou ignorado, mas somente serve para compreendermos a sua essência. Direitos e garantais individuais, materiais e formais, devem ser fielmente cumpridos e, sobretudo, respeitados pela legislação infraconstitucional.

Como direito humano fundamental, de conteúdo formal, representa o júri a possibilidade cívica de participação do cidadão no cenário de atuação do Poder Judiciário. É a forma mais direta e cristalina de participação popular na Justiça Brasileira. Como garantia humana fundamental, de conteúdo formal, significa o devido processo legal para se processar o acusado pela prática de um crime doloso contra a vida. Assegura-se, pois, a competência constitucionalmente eleita para o Tribunal do Júri.

O júri, no Brasil, não tem a mesma conotação que o júri americano. Nos Estados Unidos, o julgamento pelo povo pode representar a garantia do juiz natural e imparcial, uma vez que vários magistrados togados são eleitos pela população, logo, nem sempre atuam com a esperada imparcialidade. Por isso, o juiz conduz o julgamento, mas a decisão de mérito é tomada pelos jurados. No sistema brasileiro, não se pode pretender o mesmo cenário, afinal, o magistrado é concursado, como regra, mas, em hipótese alguma, é eleito pelo povo. Desse modo, o julgamento pelo Tribunal do Júri não pode significar algo diferenciado, em matéria de imparcialidade, quando comparado ao julgamento proferido pelo magistrado singular.

As decisões tomadas pelo Poder Judiciário no Brasil constituem fruto da atuação imparcial dos juízes, nas Varas e Tribunais, não constituindo o Tribunal do Júri a única corte que teria a exclusividade nisso. Logo, não é garantia de um julgamento justo ser avaliado o caso pelo Tribunal Popular. Cuidou-se de opção política, calcada em inúmeros fatores, distanciados, entretanto, da busca pela imparcialidade da magistratura.

Em outros termos, caso não houvesse Tribunal do Júri, no Brasil, continuaríamos a ter um Judiciário imparcial, na essência, com julgamentos calcados no devido processo legal, com todos os seus corolários, razão pela qual seriam representativos dos fatores e elementos indispensáveis para a consagração dos direitos e garantias humanas fundamentais no cenário do processo penal.

Porém, consagrado o Tribunal Popular, no art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal, devem ser acolhidos seus princípios e, sobretudo, seguidos, pois não deixam de espelhar a vontade do Poder Constituinte Originário.

 

3. Princípios constitucionais do Tribunal do Júri

A Constituição de 1988 reconheceu a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, porém, assegurados os seguintes princípios: a) plenitude de defesa; b) sigilo das votações; c) soberania dos veredictos; d) competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

A partir desse rol, deve-se passar a interpretar a legislação infraconstitucional, reguladora do procedimento a ser utilizado no júri, basicamente existente no Código de Processo Penal, de maneira secundária e dependente. Não se pode admitir que uma norma processual qualquer se sobreponha a qualquer dos princípios constitucionais regentes da instituição do júri. É essencial a busca pela cessação da cultura da primazia da lei ordinária sobre a norma constitucional, como se esta fosse apenas uma ilustração ou uma figuração, no cenário do sistema jurídico nacional.

A experiência advinda da prática forense evidencia a existência de muitos operadores do Direito – quer-se crer por falta de ousadia ou por desconhecimento – determinando a aplicação estrita da lei, por vezes em detrimento nítido do princípio constitucional expresso, somente por arraigado costume ou por força de decisões jurisprudenciais reiteradas.

Não se questiona, nem se avalia a amplitude e a importância dos preceitos constitucionais reguladores do Tribunal do Júri, de modo a, ser necessário for, fazê-los superar a norma contida no Código de Processo Penal, conferindo-lhes o real alcance e, conseqüentemente, a indispensável aplicação.

 

3.1 Plenitude de defesa

Dentre as garantias humanas fundamentais, há duas relacionadas ao direito de defesa do acusado, particularmente no contexto criminal. A primeira delas, de caráter geral, envolve a ampla defesa, prevista no art. 5º, LV, CF. A segunda, específica do júri, diz respeito à plenitude de defesa, prevista no art. 5º, XXXVIII, a, CF.

Naturalmente, há diferença substancial entre ambas, pois inexiste razão lógica para o art. 5º prever, em dois de seus incisos, com terminologia diferenciada, a mesma garantia individual. Ademais, uma delas tem caráter genérico, enquanto a outra é específica.

A plenitude de defesa representa uma atuação defensiva completa, perfeita, cabal, absoluta. A ampla defesa significa o exercício defensivo vasto, farto, abundante. O pleno é inteiro; o amplo é extenso, mas não necessariamente completo.

O objetivo, ainda que possa não ter sido adotado pelo legislador constituinte de maneira proposital, resulta claro no confronto dos incisos do art. 5º, cuidando das garantias individuais. Aos acusados em geral assegura-se uma defesa abundante, porém não se busca a perfeição. Aos acusados no processo criminal do júri quer-se atingir a defesa completa, irrepreensível, logo, perfeita, dentro dos naturais limites humanos.

A justificativa é tão simples quanto crucial. No Tribunal Popular, os jurados decidem a causa por maioria de votos (o Conselho de Sentença é composto por sete jurados), fazendo-o por meio de votação sigilosa, sem qualquer fundamentação para o veredicto proferido. Além disso, são juízes leigos, que podem decidir o caso baseado em bom senso, espírito crítico e particular tino de justiça. O juiz togado, por sua vez, decide a causa proferindo sentença motivada, a ser publicada, para conhecimento geral. Ademais, é magistrado togado, bacharel em Direito, ingressando na função por concurso público de provas e títulos.

Diante disso, ao acusado, no júri, é essencial assegurar a defesa irretocável, enquanto ao acusado em geral basta que seja garantida a defesa necessária, com todos os recursos a ela inerentes. A sensibilidade do magistrado, quando presidente do Tribunal do Júri, para aquilatar a qualidade da defesa, precisa ser superior à visão do juiz togado em relação à defesa nos feitos comuns. Tal diferença se deve ao fato de que o magistrado togado pode suprir qualquer eventual deficiência da defesa técnica, atuando de ofício e expondo argumentos jurídicos fundamentados para tanto. Os jurados jamais conseguiriam preencher o vazio deixado pelo defensor técnico no Tribunal do Júri, tanto pelo fato de não terem conhecimento para isso, como pela razão de decidirem de maneira sigilosa, sem motivação. Além de tudo, eles têm o dever de incomunicabilidade, não podendo se manifestar sobre os fatos relacionados ao processo.

Assim, ao réu, em processos do júri, busca o Estado assegurar a melhor qualidade defensiva possível, enquanto aos acusados em geral basta que se proporcione a defesa suficiente.

 

3.2 Sigilo das votações

Os jurados são leigos, cidadãos extraídos das mais variadas camadas sociais, que compõem o Tribunal Popular sem as mesmas garantias da magistratura togada. Precisam, naturalmente, de tranqüilidade para votar, uma vez que o Estado os convoca para darem o veredicto de acordo com as suas consciências e com os ditames da justiça.

Por isso, determina a Constituição Federal dever a votação ser sigilosa. Tal medida envolve tanto o procedimento de votação, a ser realizado em sala especial, longe das vistas e da pressão do público, como o mecanismo do voto secreto, inserido em urna indevassável, sem possibilidade de se tomar conhecimento do caminho eleito pelo membro do Conselho de Sentença.

 

3.3 Soberania dos veredictos

Soberania implica em poder supremo, acima do qual outro não pode existir. Assegura-se ao veredicto proferido no Tribunal do Júri o atributo da soberania, de modo que necessita ser respeitado como última palavra, acima da qual inexiste poder algum capaz de reformá-la ou alterá-la.

O instrumento de consolidação da decisão popular é característica essencial da instituição do júri, que não é órgão de consulta, mas investido constitucionalmente de poder jurisdicional. Portanto, acima do veredicto dos jurados, qualificado de soberano, nenhuma outra decisão pode haver, suplantando-o, quanto ao mérito.

A idéia da soberania constitui a força da instituição. A meta de segui-la é dever do Poder Judiciário, em particular, dos seus membros investidos na função por concurso ou por nomeação, porém togados.

 

3.4 Competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida

Tribunal do Júri sem competência assegurada pela Constituição Federal é corte submissa à vontade do legislador ordinário. Pode decidir soberanamente, protegidos os seus membros pelo sigilo da votação e os seus réus, pela plenitude de defesa, mas nada será eficiente se não houver um mínimo de competência intocável.

Sem tal medida pétrea, o Tribunal do Júri, a qualquer momento, poderia ter esvaziada a sua atividade, pela força da lei ordinária, desvirtuando o objetivo constitucional maior de consagrar o Tribunal Popular.

Estabelecer, na Constituição Federal, a competência mínima para o julgamento dos delitos dolosos contra a vida concede existência perene à instituição do júri, aprecie ou não o legislador ordinário a sua presença efetiva no sistema judiciário brasileiro.

Debate-se se a competência firmada pelo art. 5º, XXXVIII, d, CF, é exaustiva ou mínima. Segundo nos parece, cuida-se de competência mínima, nada impedindo, portanto, que a lei ordinária possa ampliar os casos a serem submetidos ao Tribunal do Júri. Afinal, o texto constitucional é o seguinte: “é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: (…) d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida” (grifamos). Assegurar quer dizer competência mínima e não exclusiva.

Ademais, cumpre destacar que, por força de aplicação do Código de Processo Penal (lei ordinária), por conexão ou continência, pode-se levar à apreciação do Tribunal do Júri vários delitos que, originalmente, deveriam ser analisados por juiz singular. Logo, um Conselho de Sentença pode julgar tanto um homicídio doloso quanto um estupro, desde que esta infração penal tenha sido cometida em conexão com relação ao primeiro.

Outro aspecto importante diz respeito ao alcance da expressão crimes dolosos contra a vida. Todos os delitos que envolvessem a vida humana e o dolo do agente seriam abrangidos? Ou somente aqueles que foram eleitos como tais pelo legislador? O critério é técnico. Um grupo de crimes havia de ser isolado para figurar como competência mínima do júri, de modo a lhe conferir estabilidade e garantia de existência. Por isso, escolheu-se o conjunto dos delitos dolosos contra a vida. Analisando-se o disposto no Código Penal, diz respeito a quatro infrações: homicídio, instigação, induzimento ou auxílio a suicídio, infanticídio e aborto. Não fosse assim, até mesmo o roubo seguido de morte, apurado o dolo do agente em relação ao resultado morte, seria levado ao contexto do júri, o que já não acontece há décadas.

 

4. A reforma do Tribunal do Júri, trazida pela Lei 11.689/08, à luz dos seus princípios constitucionais.

Após quase sete décadas de vigência, o Código de Processo Penal sofreu alterações recentes, muitas delas no contexto no Tribunal do Júri. Convém, portanto, analisar o âmbito dessas modificações particularmente no que diz respeito aos princípios constitucionais regentes da instituição do júri.

 

4.1. Reflexos da reforma sob a ótica da plenitude de defesa

A garantia da plenitude de defesa envolve, basicamente, os seguintes parâmetros: a) deve-se zelar pela atuação perfeita da defesa técnica em plenário do Tribunal do Júri, sob pena de se considerar o réu indefeso; b) a defesa técnica necessita levantar todas as teses possíveis para beneficiar o réu, além de este, pessoalmente, poder sustentar ao juiz o seu ponto de vista quanto ao caso; c) o tempo para manifestação da defesa, frente aos jurados, necessita ser suficiente para a exposição completa das provas dos autos e para a sustentação das teses viáveis; d) os recursos precisam ser admissíveis, de modo a não cercear a atividade defensiva; e) as decisões judiciais necessitam ser motivadas, em especial quando rejeitam teses defensivas; f) a defesa precisa produzir as provas que entender cabíveis, sem o cerceamento imposto por qualquer tipo de procedimento, ainda que a pretexto de ser mais célere; g) a acusação deve atuar em plenário devidamente limitada nos termos da imputação feita, selecionada e assimilada pela decisão de pronúncia; h) o réu deve apresentar-se livremente diante dos jurados, sem algemas, logo despido da conotação de ser culpado; i) o acusado pode fazer uso do direito ao silêncio sem qualquer conseqüência negativa.

As alterações introduzidas no Código de Processo Penal mantiveram, em grande parte, a feição anterior do procedimento do júri, em relação à plenitude de defesa, mas algumas inovações, positivas e negativas, são dignas de destaque.

Quanto à busca da atuação completa e integral em plenário, manteve-se a já existente fiscalização do juiz presidente, dentre suas principais atribuições: “nomear defensor ao acusado, quando considerá-lo indefeso, podendo, neste caso, dissolver o Conselho e designar novo dia para o julgamento, com a nomeação ou constituição de novo defensor” (art. 497, V, CPP). Portanto, é fundamental que o magistrado acompanhe, com zelo ímpar, o desenvolvimento da linha defensiva em plenário, de modo a considerá-la satisfatória e, com isso, garantir ao réu a plena possibilidade de se defender. Percebendo deficiências incontornáveis, sob o ponto de vista dos jurados, leigos que são, deve considerar o defensor incapacitado para a função e declarar o réu indefeso, possibilitando-lhe constituir outro advogado ou, na ausência, obtendo defensor público ou nomeado pelo juiz.

A plenitude de defesa deve ser avaliada sob dois aspectos: a defesa técnica e a autodefesa. A primeira, como já exposto no item anterior, cabe ao magistrado, avaliando os passos dados pelo defensor durante todo o procedimento, em especial quando atuar diante dos jurados, em plenário. A autodefesa, por sua vez, consiste na manifestação do réu em seus interrogatórios (na fase de formação da culpa e em plenário). Ele tem o direito de levantar a sua própria tese de defesa, alegando o que bem quiser, desde a negativa de autoria até uma exclusão da ilicitude, como, por exemplo, a legítima defesa.

Antes da reforma, por não estar o direito à autodefesa expresso em lei, muitos magistrados preteriam a tese do réu, dando valor apenas à levantada pelo defensor técnico, o que consistia em postura equivocada na exata medida de configuração de desprestígio à plenitude de defesa. Passa a ser preceito legal a consideração das palavras do acusado para o fim de elaboração dos quesitos, logo, das teses a serem submetidas à avaliação dos jurados. Estipula o art. 482, parágrafo único, do CPP: “os quesitos serão redigidos em proposições afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza e necessária precisão. Na sua elaboração, o presidente levará em conta os termos da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, do interrogatório e das alegações das partes” (grifamos). Torna-se evidente, pois, dever o magistrado levar em consideração as palavras do réu, em típica manifestação de autodefesa.

Quanto ao tempo de manifestação das partes, perante o Conselho de Sentença, foi mantido em duas horas e meia (uma hora e meia, como tempo inicial, acrescido, se for o caso, de uma hora, para réplica ou tréplica). Porém, a reforma dificultou sobremaneira a possibilidade de cisão de julgamentos, quando envolver mais de um réu. Significa, portanto, que muitos co-réus não conseguirão sessões separadas. O julgamento em conjunto obriga a divisão do tempo de duas horas e meia para a manifestação inicial, mais duas horas para a tréplica, dentre todos os defensores. Imaginemos que existam cinco co-réus para julgamento; cada qual com seu defensor. A manifestação de cada advogado ficará limitada em meros trinta minutos. Na tréplica, doze minutos.

Muito embora se possa abonar a tese de que o julgamento, realizado em sessão única, envolvendo vários co-réus, implica em celeridade processual, por outro lado, não é demais dizer que acarreta cerceamento de defesa, em face da evidente limitação do tempo de manifestação, com natural reflexo negativo na previsão constitucional da plenitude de defesa.

Parece-nos que a dificuldade para a separação dos julgamentos de co-réus precisa ser acompanhada da maior sensibilidade do juiz presidente para ampliar, quando for preciso, o tempo de manifestação dos defensores, em atenção à plenitude de defesa, ignorando, pois, o preceituado pela lei ordinária, no caso o art. 477 do Código de Processo Penal.

No cenário dos recursos, eliminou-se o protesto por novo júri, que, em verdade, não pode ser considerado prejudicial ao direito de defesa. Conceder uma segunda chance ao réu, somente porque a pena fixada pelo magistrado atingiu vinte anos (ou mais) não encontra amparo justificado se comparado com outras sanções, advindas de delitos diversos. Além disso, o nível de acerto da decisão dos jurados não foi questionado; identificava-se a necessidade do recurso unicamente pelo montante da pena. Nenhum contorno de erro judiciário adquiria o protesto por novo júri.

Na prática, então, os juízes passaram a fixar penas bem próximas aos vinte anos, mas sem atingir tal montante, somente para evitar o recurso denominado protesto por novo júri. Em boa hora, foi eliminado, sem qualquer arranhão à plenitude de defesa. Outros recursos continuam a existir e os réus permanecem protegidos nesse contexto.

Eliminou-se o libelo, que era uma fonte de limitação do teor da acusação em plenário. A decisão de pronúncia assumiu o ônus de estabelecer fronteira à atividade acusatória. Ocorre que, em desacordo com esse propósito, a lei busca cercear a atividade de fundamentação da referida decisão, mencionando que o magistrado deve ater-se, basicamente, à materialidade e aos indícios suficientes de autoria. Se assim for realizado, ofende-se à plenitude de defesa, uma vez que questões importantes deixaram de ser analisadas pelo juiz ao pronunciar o réu. As teses defensivas, levantadas em alegações finais, precisam ser convenientemente avaliadas e, sendo o caso, rebatidas, com fundamentos. A linguagem usada pelo magistrado deve ser comedida, sem dúvida, o que não pode implicar em ausência de motivação.

A adoção da audiência única para a produção de toda a instrução, durante a fase de formação da culpa (art. 411, CPP), pode constituir elemento de celeridade processual, porém não se deve converter em fator de cerceamento de defesa, pois atingiria, igualmente, o princípio constitucional da plenitude de defesa.

Portanto, havendo necessidade para a dilação probatória, deixa-se de aplicar a disposição legal determinativa da audiência una, passando-se a designar outras audiências, até que a prova seja colhida por completo.

A inovação positiva da proibição, como regra, do uso de algemas no réu, em plenário, consagra a dignidade da pessoa humana e, também, a plenitude de defesa (art. 474, § 3º, CPP).

A meta de se proibir o uso, contrariamente aos interesses do acusado, do direito ao silêncio também foi inserida no Código de Processo Penal (art. 478, II, CPP). A idéia, sem dúvida, é positiva, mas o mecanismo para a sua efetivação foi, em nosso entendimento, equivocado. Preceitua a lei constituir nulidade qualquer referência ao silêncio do acusado, que possa prejudicá-lo. O ideal seria permitir ao juiz que esclarecesse aos jurados exatamente o alcance desse direito-garantia constitucional, em lugar de deixar às partes a possibilidade de citar algo a respeito, gerando nulidade. Ora, se assim ocorrer, pode-se perder o julgamento realizado por um lapso cometido por qualquer das partes – e até mesmo por atitude proposital de qualquer delas, justamente para provocar o vício insanável.

 

4.2. Reflexos da reforma sob a ótica do sigilo das votações

O sigilo das votações desdobra-se, fundamentalmente, na garantia do voto sigiloso e da votação realizada em sala especial. Ambas as situações, já existentes, foram mantidas pela Lei 11.689/08.

Continuam os jurados com o dever de incomunicabilidade, não podendo conversar sobre os fatos envolvendo o processo em julgamento.

A modificação introduzida, em nosso entendimento, positiva, foi o método de apuração dos votos. Se o Conselho de Sentença decide por maioria de votos (art. 489, CPP), não era mesmo razoável a divulgação do quorum total da votação (sim, por 6 a 1; não, por 4 a 3). Pior era a seguinte situação: sim, por unanimidade; ou, não, por unanimidade. Ora, assim ocorrendo, divulgava-se exatamente qual foi o voto dado pelos jurados. Estava devassado o sigilo. A partir de agora, atingido o quarto voto no sentido positivo ou negativo, quanto a determinada tese, cessa a votação (art. 483, §§ 1º e 2º, CPP).

4.3. Reflexos da reforma sob a ótica da soberania dos veredictos

Não houve nenhuma modificação substancial no cenário da soberania dos veredictos. Poder-se-ia dizer que a eliminação do recurso denominado protesto por novo júri contribuiria para assegurar a soberania do Tribunal Popular, que não mais será obrigado a julgar novamente um caso já apreciado.

De certa forma, quanto menor for o número de recursos que possam questionar o mérito das decisões do Tribunal do Júri, sem dúvida, melhor. É um fator positivo em relação à preservação da soberania dos veredictos. No entanto, é preciso destacar que o protesto por novo júri, quando admitido, levava o julgamento para outro Conselho de Sentença, razão pela qual, na essência, a soberania do povo era respeitada. A última palavra seria dada, de toda forma, pelos jurados.

A extinção do recurso mencionado trouxe modernidade ao procedimento do júri, mas não representou ganho real ao princípio constitucional da soberania dos veredictos.

Nesse cenário, pensamos que há muito por fazer. Seria fundamental que as normas processuais estreitassem o alcance das decisões das cortes togadas, quando fossem reavaliar o mérito dos veredictos proferidos pelos jurados. Tal alteração ainda não se concretizou. Atualmente, admite-se que a apelação possa rever o mérito da decisão popular, embora remeta o caso a outro julgamento pelo júri. De outra sorte, em situação mais controversa, a revisão criminal tem sido aceita para reavaliar o mérito das decisões proferidas no Tribunal do Júri, quando condenatórias, permitindo-se que o tribunal togado absolva o réu ou modifique as circunstâncias do crime, proporcionando a redução da pena, quando julgar conveniente. Essa atuação é ofensiva à soberania dos veredictos, mas não foi abordada pela reforma trazida pela Lei 11.689/08.

Temos defendido, sob outro prisma, que os jurados somente conseguem atuar com soberania, ao proferir o veredicto, se estiverem bem informados. Inexiste poder decisório sem conhecimento de causa. Cuida-se de uma autêntica falácia pretender que um juiz decida um caso se não lhe forem descortinadas, amplamente, as provas existentes. Por isso, os jurados devem receber todos os dados necessários para avaliar a situação do réu em julgamento, seja para condenar, seja para absolver.

A reforma trouxe paliativos nesse campo. Permite-se que o juiz elabore um relatório por escrito, que será entregue, juntamente com a decisão de pronúncia, aos jurados, para que acompanhem a sessão de julgamento.

Autoriza-se, expressamente, que os jurados façam reperguntas ao réu e também às testemunhas. Permite-se que os juízes leigos busquem esclarecimentos diretamente com as partes, para que indiquem onde estão as provas às quais fazem referência durante suas manifestações. Assegura-se aos membros do Conselho de Sentença acesso aos autos e aos instrumentos do crime, desde que solicitem ao juiz presidente.

Regulamentou-se, expressamente, o direito ao aparte, que é a breve intervenção feita por uma parte no discurso da outra, com o fim de esclarecer algum ponto controverso ou mal explicado aos jurados. Tal medida consagra a tradição do direito ao aparte no Tribunal do Júri, vindo de encontro à melhor prestação de informes aos jurados, logo, garantia de soberania dos veredictos.

Houve a simplificação dos quesitos, em especial os que dizem respeito às teses de defesa, ficando concentradas na indagação única: “o jurado absolve o acusado?”. É um fortalecimento da soberania dos veredictos, pois o Conselho de Sentença, ao votar, por maioria, afirmativamente, ao referido quesito, provoca a absolvição do acusado sem que as partes possam saber, afinal, qual das teses de defesa foi, realmente, aceita por eles.

Não importa, de fato, analisar a questão de fundo, vale dizer, o motivo pelo qual os jurados resolveram absolver o réu. São soberanos em seu veredicto, de modo que sempre configurou um contra-senso tentar apurar se houve acerto ou erro nessa decisão. Acolhendo ou rechaçando a tese (ou as teses) de defesa, o Conselho de Sentença decide de modo soberano.

Há, logicamente, desvios nas modificações havidas. Um deles diz respeito à tentativa de retirar do âmbito de avaliação dos jurados a análise das agravantes e das atenuantes, passando-as ao crivo exclusivo do juiz presidente. Pensamos que tal procedimento é lesivo à soberania dos veredictos, pois se liga à competência constitucional para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Esse julgamento envolve todos os aspectos concernentes ao tipo penal incriminador. Logicamente, deve abranger as circunstâncias agravantes e atenuantes.

Portanto, não vemos como as partes poderão dirigir seus requerimentos de reconhecimento de agravantes ou atenuantes somente ao magistrado, sem passar pelo crivo dos jurados.

Merece análise, ainda, o incremento das hipóteses de absolvição sumária. Atualmente, o juiz presidente, ao final da instrução preliminar, poderá absolver sumariamente, sem enviar o caso ao júri, nas seguintes situações: a) ter ficado provada a inexistência do fato; b) ter sido provado não ser o réu o autor ou partícipe do fato; c) ter-se evidenciado que o fato não constitui infração penal; d) ter ficado demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão de crime (art. 415, CPP).

Havia, anteriormente, somente a última hipótese dando ensejo à absolvição sumária. Acresceram-se outras três. Poder-se-ia argumentar que foi enfraquecida a soberania dos veredictos, pois se subtraíram situações relativas aos crimes dolosos contra a vida da avaliação dos jurados? Cremos que não. Há uma fase de formação da culpa, após o recebimento da denúncia ou da queixa, em que há a colheita de provas. Ao final, o juiz deve analisar se, realmente, configurou-se a materialidade e indícios suficientes de autoria em relação a um crime doloso contra a vida. Esse é o universo concernente ao Tribunal Popular.

Assim, constatando não haver delito algum contra a vida, inexiste motivo para enviar o caso à avaliação dos jurados. Provada a inexistência do fato ou não consistir este infração penal é reflexo de que nada há, juridicamente relevante, para ser levado ao Tribunal Popular. Provada a inocência do réu (não foi autor nem partícipe do crime), igualmente, inexiste motivo para convocar o Tribunal do Júri. Finalmente, como já ocorria antes, demonstrando-se não ser crime o fato apurado, por lhe faltar ilicitude ou culpabilidade, também não há razão plausível para convocar o júri.

As hipóteses de absolvição sumária não ferem a soberania dos veredictos, pois não se substitui o Tribunal do Júri para julgar um delito doloso contra a vida. O juiz togado filtra a acusação, não permitindo que o povo seja convocado a deliberar a respeito de um fato irrelevante no que concerne à competência constitucional do Tribunal do Júri.

A reforma não foi pródiga no campo da soberania dos veredictos pela razão singela de que a força atribuída pela Constituição Federal ao Tribunal do Júri ainda não foi devidamente assimilada, como autêntica, pela magistratura togada, com os reflexos óbvios junto ao legislador ordinário.

 

4.4. Reflexos da reforma sob a ótica da competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida

Permanece a competência mínima para o Tribunal do Júri: julgar os crimes dolosos contra a vida. A Lei 11.689/08 poderia ampliar o universo da competência do Tribunal Popular, mas não o fez.

 

5. O direito cívico de participar do Tribunal do Júri

A participação do povo nos julgamentos proporcionados pelo Tribunal do Júri é um direito individual relevante, pois integra ao Poder Judiciário o cidadão comum, em processo positivo de interação.

A atividade do jurado é serviço público relevante, motivo pelo qual a Lei 11.689/08 aprimorou os direitos e os deveres dos cidadãos, em relação ao Tribunal Popular.

Entre erros e acertos, as principais alterações foram as seguintes: a) admite-se, como jurado, o cidadão idôneo, maior de 18 anos; b) vedou-se qualquer forma discriminatória, para a seleção de jurados, em razão de cor ou etnia, raça, credo, sexo, profissão, classe social ou econômica, origem ou grau de instrução; c) fixou-se multa para o jurado que se recuse a tomar parte no júri; d) estabeleceu-se a possibilidade de prestação de serviço alternativo para aquele que se recusar a servir no júri por motivo de convicção religiosa, filosófica ou política; e) prevê-se multa para o jurado faltoso, sem justificativa plausível; f) criaram-se novas causas de impedimento à participação no Conselho de Sentença, para garantir a imparcialidade dos jurados; g) cortou-se a figura do jurado profissional, impedindo-se que o cidadão se perpetue no Tribunal do Júri, havendo, pois, troca sistemática de pessoas; h) o exercício efetivo da função de jurado constitui serviço público relevante, estabelecendo presunção de idoneidade moral, assegurando prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo, atribuindo preferência, em igualmente de condições, nas licitações públicas e no provimento, mediante concurso, de cargo ou função pública, bem como nos casos de promoção funcional ou remoção voluntária; i) autoriza-se que o juiz presidente dispense o jurado que não puder participar por qualquer motivo relevante.

Não se pode deixar de considerar positivas determinadas medidas, como a fixação de multa ao jurado faltoso ou que se recuse a participar dos serviços do júri. Afinal, cuidando-se de serviço público relevante, não se deve admitir a falta sem escusa legítima.

Entretanto, olvidou-se a oportunidade de remunerar o jurado pela sua participação, algo que é previsto na legislação de outros países. Pelo menos, haveria de ser prevista a reposição do gasto experimentado pelo jurado por ficar à disposição do Tribunal do Júri por várias horas do dia, ou, por vezes, durante vários dias.

A idade mínima, para atuar como jurado, foi reduzida para 18 anos, o que nos parece temerário. Há um descompasso no tocante à reforma do Judiciário. O advento da Emenda Constitucional 45/04, em sentido oposto, passou a exigir de candidatos à magistratura togada, por concurso, a atividade jurídica, após a formatura, por pelo menos, três anos. Com tal medida, o juiz deve ingressar na carreira com idade em torno dos 25 anos. Juízes de Cortes Superiores necessitam ter 35 anos. Por que um jurado, cuja idade mínima era de 21 anos, haverá de ter tamanha responsabilidade com apenas 18? Lembremos que as decisões dos jurados são tomadas sem qualquer fundamentação, em voto secreto. Por isso, quanto maior maturidade tivesse o juiz leigo melhor seria para a realização de justiça. Entretanto, a redução da idade poderá ser fator de desestabilização da instituição do júri, cabendo ao juiz presidente o cuidado de não permitir a formação de listas de jurados com muitos jovens dessa faixa etária.

O impedimento à atuação do jurado por muito tempo no Tribunal do Júri é positivo, mas, segundo cremos, houve exagero. Atuando por um ano, o jurado será definitivamente afastado. A proposta original do anteprojeto era mais razoável, pois manteria o jurado arredado do júri por dois anos. Poderia ele retornar à atividade.

Em síntese, as alterações tiveram conotação positiva, o que deverá proporcionar melhora no funcionamento do Tribunal do Júri em geral.

 

6. Conclusão

O Tribunal do Júri, no Brasil, foi incluído dentre os direitos e garantias individuais, figurando no art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal. Faz parte, portanto, das denominadas cláusulas pétreas, que não admitem modificação pelo Poder Constituinte Derivado, vale dizer, por Emenda Constitucional.

Cuida-se de um direito cívico de participação do povo nos julgamentos do Poder Judiciário e uma garantia ao devido processo legal para que se possa avaliar e, se for o caso, punir o autor de crime doloso contra a vida.

Possui quatro princípios constitucionais, que necessitam ser fielmente respeitados, tanto pelos operadores do Direito como pelo legislador infraconstitucional: plenitude de defesa, sigilo das votações, soberania dos veredictos e competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Ao longo de duas décadas de vigência da Constituição Federal de 1988, com o atual perfil conferido ao Tribunal do Júri, vislumbramos que ainda não foi atingida, por completo, a meta do constituinte, que é conferir ao Tribunal Popular seu papel de destaque e plenitude no campo dos julgamentos dos crimes dolosos contra a vida.

É preciso compreender a sua inserção no contexto dos direitos e garantias individuais, ainda que essencialmente formais, porém de indispensável valor.

Os operadores do Direito necessitam alterar, com ou sem transformação da legislação ordinária, a sua mentalidade, para acatar, de uma vez por todas, o mais polêmico dos princípios que regem a instiuição: a soberania dos veredictos. Nenhum outro órgão deve, sob qualquer pretexto, quanto ao mérito, sobrepor-se à decisão tomada, em último grau, pelo Tribunal do Júri.

No mais, é igualmente indispensável que os participantes dos julgamentos no plenário do júri compreendam a situação de destaque, sob o aspecto de proteção, auferida pela defesa. Devem os juízes assegurar aos acusados a plenitude de defesa, deixando o campo meramente teórico e servindo-se dos vários instrumentos práticos para que tal princípio constitucional possa efetivamente lograr consolidação.

O sigilo das votações vem sendo mantido e aperfeiçoado, não demandando, pois, maiores considerações.

A competência mínima para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, igualmente, vem ganhando seu devido contorno, podendo, se assim for o desejo político do legislador, ser ampliada a capacidade de atuação do Tribunal Popular no Brasil.

A Lei 11.689, de 9 de junho de 2008, proporcionou uma nova feição ao Tribunal do Júri, aperfeiçoando alguns pontos que, realmente, mereciam revisão, mas também trazendo inovações capazes de gerar impasses e controvérsias de amplitude ainda desconhecida. De todo modo, possam as alterações legislativas infraconstitucionais ser interpretadas à luz dos princípios maiores, regentes da instituição do júri, constantes do art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal.

Assim ocorrendo, teremos a supremacia da Constituição sobre qualquer outro cenário legislativo inferior, o que nos poderá assegurar a consolidação almejada do Estado Democrático de Direito.