Avançar para o conteúdo

O Respeito ao Idoso e o Crime

A 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou um homem por abandono de incapaz à pena de 9 meses e 10 dias de detenção, em regime semiaberto. A vítima era seu pai, que, em razão de um acidente vascular cerebral, ficou acamado e apresentava quadro de demência crônica. Apelação nº 0026430-06.2010.8.26.0562.

 

De acordo com o processo, em junho de 2010, após denúncia anônima, policiais militares encontraram o homem sozinho em casa. Segundo relatos, estava gritando de fome, sujo, deitado em uma cama, apenas de fraldas. No hospital, foi constatado que apresentava mal estado geral, desnutrição, desidratação e tinha escaras na região glútea.

 

Para o relator do recurso, desembargador Francisco Orlando, o quadro caracterizou maus-tratos. “As provas amealhadas demonstram que o réu realmente deixou a vítima em estado de abandono, em momento especialmente delicado, quando estava absolutamente incapaz de se defender. O quadro da vítima descrito pela assistente social incrimina o réu de forma contundente.”

 

A turma julgadora, no entanto, reduziu a pena fixada em primeira instância. Isso porque a morte da vítima, que ocorreu em dezembro de 2010, não teria sido causada pelo abandono. Por oito meses, o homem teria sido atendido em diversos locais (lares assistenciais e hospitais) até a data do falecimento, que ocorreu no hospital municipal. “Durante esse tempo, evidente que recebeu cuidados, inclusive médicos, de todos que o assistiram, não ficando caracterizada, então, a figura qualificada prevista no parágrafo 2º, do artigo 133, do Código Penal”, afirmou o relator.

 

Também participaram do julgamento, no início de dezembro passado, o desembargador Alex Zilenovski e o juiz substituto em 2º grau Sérgio Mazina Martins. A votação foi unânime.

 

A Constituição Federal de 1988 concede particular importância à família, como base da sociedade, além de ser taxativa no cenário do auxílio e proteção de filhos e pais, reciprocamente: “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade” (art. 229). Emerge o dever de solidariedade familiar constitucionalmente tutelado, com reflexos na legislação ordinária. Verifica-se tanto no Código Penal como no Estatuto do Idoso a existência de figuras típicas incriminadoras, atestando que a lesão a tais direitos podem ser penalmente sancionadas.

 

Na situação concreta, descrita no julgado supra referido, o pai idoso, enfermo, foi submetido a maus-tratos pelo filho, ora condenado. A figura do “abandono de incapaz”, prevista no art. 133 do Código Penal, preceitua: “abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos decorrentes do abandono”.

Após a edição do Estatuto do Idoso, incluiu-se uma particular causa de aumento: “se a vítima é maior de 60 anos” (idoso, portanto). Essa figura típica é apropriada ao abandono material – e não emocional. Sob outro aspecto, também não se destina a punir quem expõe a perigo a integridade e a saúde do idoso, pois há tipos específicos para tanto. Vejamos.

 

O Estatuto do Idoso tutela o abandono sentimental, embora em termos pouco precisos – o que significa uma falha – no art. 98 (“abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado”).

Quanto à exposição a perigo, há o tipo do art. 99 (“expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica, do idoso, submetendo-o a condições desumanas ou degradantes ou privando-o de alimentos e cuidados indispensáveis, quando obrigado a fazê-lo ou sujeitando-o a trabalho excessivo ou inadequado”).

Não resta dúvida que os tipos penais dos artigos 132 e 133 do Código Penal são muito próximos dos tipos dos artigos 98 e 99 do Estatuto do Idoso; porém, no caso julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, parece-nos mais apropriado o art. 133 do CP, pois o idoso já estava enfermo e foi abandonado materialmente, incapaz de se defender.