A Lei 13.105/2015 (novo CPC) preocupou-se, em vários artigos, em punir severamente a litigância de má-fé, situação que nunca chamou a atenção no processo penal. O único foco que se encontra previsto no CPP concentra-se no art. 653, afirmando que “ordenada a soltura do paciente em virtude de habeas corpus, será condenada nas custas a autoridade que, por má-fé ou evidente abuso de poder, tiver determinado a coação”. No parágrafo único, prevê-se a remessa de peças necessárias para ser promovida a responsabilidade da autoridade.
Pode ter ocorrido em alguma parte do imenso Brasil, mas, em quase três décadas de profissão, jamais vi uma única decisão de qualquer Tribunal, determinando fosse apurada a responsabilidade de autoridade judiciária por nítido abuso de poder. E há um aspecto complexo: o abuso de autoridade por omissão, quando o juiz mantém alguém preso por tempo excessivo, ainda em prisão cautelar, sem se importar com as consequências de seu ato.
Sob outro aspecto, membros do Ministério Público ou vítimas, por vezes, ingressam com denúncias ou queixas totalmente infundadas, mas que terminam recebidas pelo juiz – não obrigado a fundamentar a maioria dos recebimentos – levando o acusado a impetrar habeas corpus para trancar a ação penal.
Onde fica a litigância de má-fé nesses casos ou a condução do processo com nítido desleixo? Para o órgão acusatório, pode-se utilizar, por analogia com o processo civil, o disposto pelo art. 80 (lembremos que o art. 3o do CPP permite o emprego da analogia).
Eis a leitura dos artigos 79 e 80 do novo CPC: “Art. 79. Responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou interveniente”; “Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que: I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II – alterar a verdade dos fatos; III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI – provocar incidente manifestamente infundado; VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório”.
Observe-se a consequência prevista no art. 81 do CPC: “De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou”.
Pode-se argumentar que o membro do Ministério Público, ao atuar, exerce função pública relevante e não estaria sujeito a tais regras. Porém, noutro prisma, pode-se simplesmente indagar: por que não? Imagine-se o promotor que, propositadamente, ingressa com ação penal contra pessoa sabidamente inocente, juntamente com o magistrado que, de maneira leviana, recebe a denúncia. Independente de responsabilidade criminal ou funcional, há de se garantir a indenização civil pelo dano causado.
Infelizmente, há muito, dever-se-ia punir o magistrado que atua com flagrante negligência na condução de seus processos criminais, valendo-se de uma omissão abusiva. Alguns pensam: “se o Tribunal quiser que o solte; vou mantê-lo preso e ponto”. Esse flanco de impunidade precisa cessar.
Deveriam os Tribunais, de todos os níveis, determinar a remessa de peças ao Ministério Público para apurar eventual abuso de autoridade do juiz, quando concedem a ordem de habeas corpus, mandando soltar o paciente, fundamentada a decisão em erro grosseiro da autoridade judiciária.
Finalmente, se medidas penais ou funcionais deixarem de ser tomadas – ou mesmo que sejam providenciadas – deve-se aplicar o disposto pelo art. 143 do novo CPC: “O juiz responderá, civil e regressivamente, por perdas e danos quando: I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte. Parágrafo único. As hipóteses previstas no inciso II somente serão verificadas depois que a parte requerer ao juiz que determine a providência e o requerimento não for apreciado no prazo de 10 (dez) dias”.
Determinar a prisão cautelar de qualquer pessoa sem fundamento jurídico válido – ou sem nem mesmo fundamentar –, por exemplo, além de evidenciar flagrante negligência, pode expor a atuação dolosa da autoridade judiciária. Sob outro aspecto, se o juiz civil omite ou retarda providência que deva tomar, ultrapassando meros 10 dias, o que não representa a omissão ou o retardamento do magistrado criminal, envolvendo constrição às liberdades individuais? Ilustre-se com o nítido descaso do juiz criminal que permite a prisão cautelar de um réu por mais de ano, sem solução de uma causa, envolvendo crime cuja pena mínima já é inferior a um ano. Assim sendo, o Tribunal concede a ordem de habeas corpus considerando teratológica aquela prisão.
Segundo nos parece, a autoridade judiciária penal não fica imune, devendo responder por perdas e danos, civil e regressivamente. Mesmo que o próprio Judiciário deixe de tomar providências nesse sentido, cabe à parte prejudicada agir.