Não é novidade destacar a crise pela qual passa o Direito Penal no Brasil, uma vez que o ordenamento jurídico, formado pelas normas abstratamente postas, em plena vigência, encontra-se dissociado da realidade. Formado está o abismo entre lei e fato; entre o ideal e o real; entre o almejado por toda a sociedade e o vivenciado, no cotidiano, pelos brasileiros em geral. Atravessamos uma fase histórica em que a impunidade, cultivada há anos por certo, tornou-se mais transparente e, justamente por isso, preocupante.
O crime organizado, que há muito deveria ter sido combatido, para sofrer abalo no seu nascedouro, prosperou em quase todos os setores e esferas das atividades pública e privada, agravando o quadro ao ingressar no sistema penitenciário. Beira-se, na atualidade, um cenário de terrorismo, algo que somente se encontrava em países outros, com realidade diferenciada da brasileira, até pelo fato de se tratar, muitas vezes, de atos violentos motivados por fins políticos. O que se encontra no Brasil de hoje é o terrorismo disparatado, sem propósito firmado e sem rumo definido. Criminosos condenados têm ordenado ataques à população e às autoridades, conturbando a ordem pública em várias cidades, sem uma reivindicação concreta ou motivação explícita. A cada evento surgem explicações variadas: ora, as péssimas condições carcerárias; em outro momento, a cessação de benefícios e regalias; noutro instante, a vingança pela transferência de algum líder de facção. Em suma, não bastasse o sofrimento da sociedade brasileira diante do incremento da criminalidade comum (homicídios, roubos, extorsões, seqüestros etc.), por causas variadas, que não nos compete debater neste espaço, assumimos, ainda, o temor de sair às ruas e enfrentar o banditismo imponderado, que provoca a queima de ônibus, detona bombas em espaços públicos e privados e atira, sem lógica, em policiais e agentes penitenciários.
O Poder Público assiste, perplexo, sem saber para onde seguir e, efetivamente, como agir, tal estado de desorganização estatal e afronta às normas penais. Cuida-se, em nosso entendimento, da ausência de Política Criminal. Legisla-se para o momento, conforme reclamos da mídia e, muitas vezes, com base em casos concretos. Não há visão de futuro. Os Poderes da República não falam a mesma língua, não trabalham pelo mesmo objetivo e nem mesmo discutem no mesmo tom. Essa síndrome de impunidade somente fortalecerá o crime organizado, mas também provocará o aumento do número de delitos comuns.
Propomos uma reação inteligente e apolítica das autoridades competentes, associada a uma modificação legislativa ordenada, sistematizada e futurista, que possa durar por anos, sem trazer mais contradições e ilogicidades para o campo do Direito Penal.
Concretamente, em tópicos: 1. deve haver investimento prioritário e maciço na integração dos serviços de inteligência dos organismos policiais de todo o Brasil, de modo que, se necessário, uma autoridade policial situada em qualquer Município, no sistema informatizado do seu posto de atividade, possa detectar, diante de um suspeito, dados da sua vida pregressa criminal em todo o País; 2. além da integração das polícias, é fundamental monitorar os passos do crime organizado, evitando-se a sua imersão, cada vez maior, nos organismos públicos; 3. os governantes, independentemente do partido político, devem investir, com efetividade, no sistema carcerário, garantindo o cumprimento das penas tal como determinam o Código Penal e a Lei de Execuções Penais; 4. deve-se buscar um propósito na edição de novas leis penais, fazendo-as compor um sistema harmônico, constituindo atividade urgente a atualização das normas, abolindo tipos penais incriminadores em franco e escancarado desuso, que somente servem para gerar o sentimento inadequado de impunidade; 5. além das atitudes supra mencionadas, vinculadas aos Poderes Legislativo e Executivo, parece-nos essencial que o Judiciário assuma seu papel nesse trabalho conjunto. Para tanto, quando necessário, cremos indispensável a utilização dos princípios de Direito Penal para orientar o trabalho do magistrado, colocando-os, se preciso for, acima das leis mal elaboradas, com o propósito de proclamar a sua inconstitucionalidade, de forma a aprimorar o sistema penal. Ilustrando, se um tipo penal incriminador é extremamente aberto, com condutas mal definidas, não deve ser aplicado, pois fere o princípio da taxatividade e, conseqüentemente, o da legalidade (art. 5º, XXXIX, CF). Não temos tradição nesse mister. Quantas vezes o juiz deixou de aplicar a lei penal, valendo-se desse argumento? Se o fez, não é a regra; 6. da mesma forma que o legislador precisa deixar de criar penas inócuas e sem sentido, a pretexto de serem democráticas, instigando o juiz a, posteriormente, não aplicá-las, torna-se curial que o magistrado aplique as penas existentes utilizando todos os recursos em lei fornecidos, afastando-se do comodismo da política da pena mínima; 7. o Direito Penal simbólico, que aparenta ser severo, mas é fraco e inoperante, precisa ser evitado. A cada nova lei penal editada, vislumbramos uma corrida desordenada, cuja linha de chegada comum inexiste.
Em conclusão, o Direito Penal Brasileiro, de responsabilidade dos Três Poderes da República, encontra-se em pleno processo agônico, aguardando que cesse a política da edição contínua de novas leis penais desordenadas, surgindo, em seu lugar, a almejada Política Criminal do Estado, buscando concretizar uma reforma geral, sistematizada e eficiente das normas penais.