Durante várias décadas, debateram a doutrina e a jurisprudência brasileiras o caráter da antiga presunção de violência, quando se tratasse de menor de 14 anos em relacionamento sexual. Dividiam-se em duas correntes: presunção absoluta, que não comporta prova em contrário; presunção relativa, que admite prova em contrário, a respeito da capacidade de consentimento da vítima). Após a reforma introduzida pela Lei 12.015/2009, criado o artigo 217-A do Código Penal, menciona-se constituir crime o contato sexual de qualquer espécie com menor de 14 anos (e ainda com enfermos mentais e pessoas que não possam consentir). Surgiram, então, as discussões acerca do caráter da vulnerabilidade: se absoluta ou relativa. Trata-se do mesmo cenário, com idêntica indagação: pode-se produzir prova de que o menor de 14 anos tem, no caso concreto, consentimento válido para o contato sexual? Se a resposta for afirmativa, trata-se da vulnerabilidade relativa. Porém, a jurisprudência majoritária, por ora, em particular dos Tribunais Superiores, tem firmado o entendimento de se tratar de vulnerabilidade absoluta, logo, sem possibilidade de prova em contrário.
Este texto não pretende ingressar nesse debate – vulnerabilidade absoluta ou relativa, embora a nossa posição, exposta em livros, é a da vulnerabilidade relativa. Mas, para os fins propostos nestas linhas, vamos considerar a vulnerabilidade absoluta como sendo a linha mestra.
Diante disso, a pessoa menor de 14 anos não pode, em hipótese alguma, ter contato sexual, pois configura, na posição de vítima, o estupro de vulnerável. Na sequência desse raciocínio, é completamente inviável aceitar-se a pornografia infantil como forma de arte, dando ensejo à participação de crianças ou adolescentes em filmes, fotos, novelas ou qualquer ensaio, mesmo que sob o pretexto de manifestação artística. Aliás, como preceitua o art. 240 do ECA, somente o fato de filmar, fotografar, produzir, reproduzir, dirigir ou registrar a cena sexual já é crime. Nem se diga que, em certos filmes, o jovem estaria apenas simulando o ato sexual, como fazem os adultos em películas não pornográficas, embora com cenas de sexo. Crianças e adolescentes – especialmente os menores de 14 – não estão preparados para discernir entre realidade e ficção, podendo sofrer as consequências disso na sua formação moral.
Mas se pode ir além. Quem tem o contato sexual com o menor de 14 não pratica o delito do art. 240, porém o crime do art. 217-A. Ilustrando, imagine-se uma cena de filme de cunho pornográfico-artístico, na qual uma modelo-atriz nua tem contato físico com um jovem, menor de 14 anos, igualmente nu, total ou parcialmente. O referido ato libidinoso – simulado ou real – gera um quadro lascivo na mente do garoto, sendo suficiente para caracterizar, segundo o entendimento jurisprudencial predominante hoje, a respeito da vulnerabilidade absoluta, o crime de estupro de vulnerável.
Lembre-se, ainda, que o estupro de vulnerável – na atualidade – é delito de ação pública incondicionada (art. 225, parágrafo único, Código Penal). Detectado o contato físico-sensual, cabe ao Ministério Público, recolhidas as devidas provas, denunciar o agente. No exemplo citado, aquela modelo, além do produtor, diretor e outros envolvidos, são acusados como partícipes.
E há mais um fator importante. Alterada a redação do art. 111 do Código Penal, onde se incluiu o inciso V, nos crimes contra a dignidade sexual de crianças ou adolescentes, a prescrição começa a ser computada quando a vítima completa 18 anos, como regra.
Considerando-se a pena prevista para o estupro de vulnerável, a prescrição em abstrato somente se dá em 20 anos. Portanto, quando a vítima do estupro completa 38 anos.
O exemplo supra mencionado indica que, nos termos da atual legislação, quem produz um filme pornográfico, promovendo o contato sexual de corpos nus se tocando, tratando-se de menor de 14 anos, juntamente com um maior de 18, permite a configuração do estupro de vulnerável. O ator/atriz responderá pelo crime hediondo, sem possibilidade de qualquer espécie de prova em contrário, pois a vulnerabilidade é absoluta. E não se depende de nada ou ninguém, pois o Ministério Público deve ajuizar ação penal, havendo provas suficientes. O seu prazo para isso começa a ser computado quando o ofendido completa 18 anos (e dura por 20 anos).
Em suma, não há justificativa alguma para inserir um menor de 14 anos em qualquer espécie de pornografia, nem mesmo sob a alegação de se tratar de obra artística, visto que a liberdade, nesse campo, encontra barreiras maiores ao se defrontar em face da dignidade sexual infantojuvenil.
A legislação brasileira, antes mais permissiva, tornou-se rígida nesse cenário. Para alguns, rigorosa demais. Para outros, perfeitamente adequada. Muito ainda se tem a debater, procurando o ponto ideal de equilíbrio, não somente para os menores de 14 anos, mas para todo o contexto dos crimes contra a dignidade sexual.