A Lei 11.689, de 9 de junho de 2008, em vacatio legis de sessenta dias, modificou, substancialmente, o Tribunal do Júri no Brasil. Parece-nos pertinente enumerar e tecer breves considerações acerca das principais alterações.
São elas:
a) instituiu-se a colheita da prova, durante a fase de formação da culpa, em audiência única. Nesta oportunidade, ouvem-se todas as testemunhas, que podem atingir o número de dezesseis, além de outros arrolados (peritos, por exemplo) e produz-se o interrogatório do réu. Na seqüência, realizam-se os debates e o juiz pode proferir a decisão. Seria um primor de celeridade não fosse um singelo obstáculo: a máquina forense não gira tal como almeja a norma em abstrato. Se uma testemunha de acusação faltar, todas as demais testemunhas de defesa devem ser dispensadas e o ato precisa ser adiado. Em cidades grandes torna-se quase impossível a condução coercitiva. Assim, a audiência una terminará sendo fracionada na prática, com um prejuízo sensível: a pauta dos magistrados das Varas Privativas do Júri tornar-se-á incontrolável. Reserva-se o dia todo para a realização de uma única audiência e esta não se concretiza. Para outra data deverá ser redesignada, ingressando no contexto de outra audiência una, previamente marcada, e assim sucessivamente;
b) quer-se uma pronúncia enxuta, baseada apenas na materialidade e nos indícios suficientes de autoria, porém, olvidou-se que existem alegações finais a serem analisadas. Ora, se o defensor pediu a absolvição sumária, por qualquer causa, o juiz tem o dever de fundamentar o afastamento do pedido. Além disso, a pronúncia passa a ser, em lugar do eliminado libelo, o contorno limitativo da acusação em plenário. Por isso, não pode ser sucinta a ponto de não abordar temas relevantes, como o concurso de agentes, o nexo causal, as teses de defesa, entre outros dados;
c) a absolvição sumária e a impronúncia passam a ser impugnadas por meio da apelação, o que está correto, pois são decisões de caráter terminativo. Elevam-se os motivos para a absolvição sumária e não mais se admite o recurso de ofício contra esta decisão. Todas essas são medidas positivas;
d) o Tribunal do Júri passa a ser composto por 26 juízes: um togado, que é o seu presidente, mais 25 jurados. O maior número propiciará, certamente, menor número de adiamentos por falta de quorum para a instalação da sessão. Além disso, passa-se a prever uma multa de um a dez salários mínimos para o jurado faltoso, sem justificativa legítima, o que é correto;
e) deixou-se, no entanto, de estipular uma remuneração mínima para o jurado que comparecer e dedicar seu dia (ou mais de um) à sessão de julgamento. Parece-nos que ele precisaria, ao menos, ser reembolsado das despesas que teve para ir ao fórum;
f) passa-se a admitir jurados com mais de dezoito anos, o que ingressa na contramão das outras reformas pelas quais passou o Judiciário. Enquanto o juiz togado somente poderá assumir a função com cerca de 25 anos, o jurado, leigo, cujas decisões não são fundamentadas, pode ser pessoa ainda na adolescência. Nem se diga que o maior de 18 anos é capaz para a vida civil e responsável penalmente. No Tribunal do Júri, será ele magistrado. Terá maturidade suficiente para tanto? Somente o tempo nos revelará;
g) dificultou-se a separação dos julgamentos, com o fito de levar co-réus a enfrentar sessão conjunta, proferindo-se um único veredicto. Porém, de outro lado, diminuiu-se o tempo para a manifestação das partes. Ora, considerando-se que, havendo mais de um réu, o tempo será dividido entre os defensores, haverá um encurtamento inaceitável em relação à manifestação de cada um, o que lesa a plenitude de defesa, princípio constitucional da instituição do júri;
h) firmou-se a proibição, como regra, do uso de algemas no réu, em plenário, o que respeita, sem dúvida, a dignidade da pessoa humana;
i) vedou-se qualquer menção à pronúncia ou decisão similar, às algemas, ao uso do silêncio pelo réu ou à falta de seu interrogatório, sob pena de nulidade. Entretanto, ainda que se reconheça o bom propósito legislativo, erguem-se feridas aos princípios da soberania dos veredictos e da plenitude de defesa, sem contar com a criação de um fecundo campo para o plantio de nulidades pela parte que deseje, no futuro, anular o processo;
j) eliminou-se o recurso do protesto por novo júri, quando o réu fosse apenado a vinte anos ou mais, o que representa modernidade e adequação à realidade brasileira;
l) o relatório do juiz será elaborado por escrito e entregue, juntamente com cópia da pronúncia, aos jurados, para que melhor acompanhem o desenrolar dos trabalhos em plenário. Correta a medida, pois jurados bem informados podem exercer adequadamente o poder soberano de decisão;
m) a consagrada cansativa leitura de peças foi cerceada. Somente as mais importantes e fundamentais poderão ser lidas aos jurados. O mais, que se queira ler, deverá ser feito no tempo da parte interessada;
n) permite-se que as partes façam, diretamente, ao réu, em seu interrogatório, reperguntas. Esse foi um desserviço à proteção que se deve conceder ao acusado e seu sagrado direito de não produzir prova contra si mesmo. Dessa maneira, melhor será que ele se valha do seu direito ao silêncio para não responder às porventura inadequadas indagações do órgão acusatório;
o) permite-se que o juiz presidente acolha agravante ou atenuante, alegada em debate, sem passar pelo crivo dos jurados, o que se nos afigura inconstitucional, visto ser o júri o juiz natural da causa, julgador de todos os aspectos fáticos dos delitos dolosos contra a vida;
p) os quesitos serão formulados de maneira diferenciada do antigo sistema. Primeiramente, indaga-se acerca da materialidade; depois, a respeito da autoria. Firmado o contexto do crime, proporciona-se tese desclassificatória. Não sendo o caso, todas as teses de defesa ganharão palco único: “o jurado absolve o acusado?”. Cessam, com isso, as adivinhações formuladas por muitos acerca do acerto ou desacerto dos jurados ao votarem vários quesitos concentrando as teses defensivas;
q) consagrou-se, finalmente, em lei o direito ao aparte, instrumento que sempre fez parte da tradição do Tribunal do Júri no Brasil;
r) preserva-se o sigilo das votações, determinando que a apuração dos votos cesse assim que seja atingida a maioria de quatro votos, em favor de qualquer tese.
Outras modificações houve. As enumeradas nestas breves linhas, entretanto, pareceram-nos as mais relevantes. Nossos comentários são as primeiras reflexões que tivemos em relação ao tema. Com certeza, será a prática forense o melhor termômetro acerca do grau de aprimoramento da instituição do júri após a edição da Lei 11.689/08.