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O reconhecimento de circunstâncias agravantes no Tribunal do Júri

Somente o Conselho de Sentença tem possibilidade jurídica e autonomia constitucional, dentro da sua soberania em matéria de veredictos (art. 5º, XXXVIII, CF), para reconhecer a existência de circunstâncias agravantes contra o réu, permitindo, então, ao juiz presidente fixar a pena justa. O art. 492, I, do Código de Processo Penal, é bem claro: “Em seguida, o juiz lavrará a sentença, com observância do seguinte: I – no caso de condenação, terá em vista as circunstâncias agravantes ou atenuantes reconhecidas pelo júri, e atenderá, quanto ao mais, ao disposto nos ns. II e VI do art. 387” (grifamos). Consultando-se o art. 387, I – excluído da atividade jurisdicional no magistrado presidente do Júri – encontra-se: “O juiz, ao proferir sentença condenatória: I – mencionará as circunstâncias agravantes ou atenuantes definidas pelo Código Penal e cuja existência reconhecer” (grifos nossos).

Por isso, torna-se nítida a preocupação legislativa em não autorizar o magistrado presidente a incluir ou excluir agravantes (e mesmo atenuantes) sem a prévia avaliação do juiz natural da causa, o Conselho de Sentença.

Assim está correto. As circunstâncias do crime, sejam elas quais forem, constituem parte do mérito de uma imputação. Um homicídio não significa somente matar alguém, mas como, onde, por qual razão, de que forma etc. Há profunda alteração em um delito, em matéria de aplicação da pena, caso se trate, somente para ilustrar, de um homicídio simples (pena de reclusão, de seis a vinte anos) ou de um homicídio qualificado (pena de reclusão, de doze a trinta anos). Nesse caso, estamos diante de circunstâncias qualificadoras (art. 121, § 2º, I a V, CP). Porém, há outras circunstâncias legais, dispostas, igualmente, a provocar modificações razoáveis na aplicação da pena. As causas de aumento ou diminuição da pena e as agravantes e atenuantes agem desse modo. Não pode o juiz presidente, a seu talante, reconhecer uma agravante, nem mesmo ventilada pela acusação, tanto na denúncia, como no libelo e muito menos em plenário.

A atividade jurisdicional do magistrado presidente do Tribunal do Júri circunscreve-se a aplicar a pena de acordo com a vontade popular, valendo-se, então, dos elementos surgidos ao final da votação do questionário.

Situação de maior gravidade pode ocorrer nos casos em que as circunstâncias se repetem como qualificadoras e também como agravantes. É a hipótese do art. 121, § 2º, I e V, encontradas no art. 61, II, “a” a “d”, do Código Penal. Imaginemos ter o órgão acusatório inserido na denúncia a qualificadora do motivo torpe. Entretanto, por ser manifestamente improcedente, o juiz a afastou por ocasião da pronúncia. Houve recurso e a decisão foi mantida. O réu segue a julgamento pelo Tribunal do Júri, incurso em homicídio simples. Se o promotor de justiça, em plenário, sustentar e solicitar aos jurados o reconhecimento da agravante do motivo torpe, caso o juiz a insira no questionário e a resposta for afirmativa, teremos uma teratologia. A mesma circunstância que, segundo o juiz da pronúncia, inexistia; também para o Tribunal não havia provas a sustentá-la, terminou reconhecida e aplicada pelo magistrado na sentença. Uma tergiversação inaceitável das regras processuais. Nesse caso, não se trata de privilegiar a soberania dos veredictos, pois o erro foi do magistrado, ao permitir que o quesito, relativo a circunstância já afastada em fase anterior, preclusa portanto, tornasse ao cenário e fosse aceita.

Nem se diga que a qualificadora da torpeza foi afastada, mas a agravante da torpeza pode ser reavaliada em fase posterior. Afinal, tal afirmativa demonstraria desconhecimento acerca do conceito e da natureza jurídica das circunstâncias do crime. O motivo torpe é exatamente o mesmo, no plano fático. Seu colorido jurídico, ora atuando como qualificadora, ora como agravante, nada mais representa do que política criminal elaborada pelo Poder Legislativo. Considerando-se, para determinado delito, uma circunstância mais importante que outras, a lei a elege como qualificadora. Considerando-se importante para todos os delitos, mas sem particularizar qualquer deles, ingressa como agravante. Essa é a razão pela qual a agravante não precisa ser descrita na denúncia para que o réu contra ela se defenda (art. 385, CPP). Quando as circunstâncias surgem como agravantes são consideradas genéricas, válidas para todas as infrações penais da Parte Especial do Código Penal, não havendo necessidade de se fazer presente na denúncia. Porém, cuidando-se de qualificadora, a circunstância ganha especial relevo e precisa constar na peça acusatória para que o réu apresente sua defesa, até pelo fato de integrar a tipicidade derivada. O mesmo se dá com causas de aumento de pena.

Nada impede, logicamente, que o defensor, vislumbrando a possibilidade de aplicação da agravante, em suas alegações finais, deixe claro ao magistrado que nenhuma delas encontra sustentação nas provas produzidas.

No Tribunal do Júri, entretanto, há a particularidade de haver, muitas vezes, a confusão entre qualificadora e agravante. Assim ocorrendo, detendo primazia a qualificadora, já deve ter sido avaliada e mantida ou afastada na pronúncia. Se for incluída, constará do libelo e será apresentada aos jurados. Reconhecendo-a presente, pelo Conselho de Sentença, permite-se ao juiz levá-la em conta na aplicação da pena. Negando-a, está o magistrado proibido de utilizá-la, ainda que com outra denominação (agravante).

E, ainda no contexto particular do Júri, se a agravante não coincidir com qualificadora (reincidência, por exemplo), pode ser sustentada pelo órgão acusatório diretamente no plenário (não precisa constar da denúncia, nem da pronúncia, pois é genérica, válida para todos os crimes), devendo ser inserida no questionário para votação. Dependendo de sua aceitação ou recusa pelos jurados, o magistrado presidente a utiliza ou não em sua sentença condenatória.

Tratamos, com detalhes, do tema nas notas 340 ao art. 484 e 359 ao art. 492, em nosso Código de Processo Penal comentado. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal proferiu julgamento no mesmo sentido: “Aplicou-se, no ponto, a jurisprudência firmada pela Corte no sentido de não ser possível a formulação de quesitos sobre agravantes simples, quando estas sejam definidas na lei penal como qualificativas do delito e não foram reconhecidas na sentença de pronúncia. No caso, apesar de o paciente haver sido pronunciado por homicídio simples, não se constatando na pronúncia qualquer circunstância agravante, foram formulados quesitos relativos ao motivo torpe e ao uso de recurso que dificultara a defesa da vítima que, admitidos pelo Conselho de Sentença, implicaram a majoração da pena imposta. (…) Precedentes citados: HC 81148/MS (DJU de 19.10.2001); HC 82909/PR (DJU de 17.10.2003); HC 82832/DF (DJU de 5.9.2003); HC 71145/RO (DJU de 3.6.94); HC 79781/SP (DJU de 9.6.2000); HC 82903/SP (DJU de 13.8.2003); HC 64678/RJ (DJU de 23.3.87); HC 44023/Guanabara (DJU de 21.6.67)” (HC 90.265-AL, 1ª. T., rel. Sepúlveda Pertence, 26.06.2007, Informativo 473)”.