Após duas décadas de vigência, cumpre analisar se os direitos e garantias constitucionalmente dispostos, relacionados à prisão processual, têm sido seguidos com eficácia. Parece-nos, em primeira análise, estarmos distantes do integral implemento dos dispositivos garantistas idealizados. Caminhamos, porém, rumo ao horizonte desenhado pelo constituinte em 1988.
Em relação à prisão cautelar, dentre outras, despontam as seguintes garantias:
a) a prisão processual é medida excepcional, vinculada a critérios de razoabilidade e necessidade, afinal, todo acusado é presumido inocente, até o trânsito em julgado de sentença condenatória (art. 5º, XVII, CF);
b) a prisão somente pode advir de flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente (art. 5º, LXI, CF);
c) inexiste prisão sigilosa e a pessoa detida tem direito de acesso à família, ao advogado e à fiscalização do juiz (art. 5º, LII e LXIII, CF);
d) todo acusado tem direito ao silêncio, sem que se possa extrair dessa atitude qualquer prejuízo à sua defesa (art. 5º, LXIII, CF);
e) o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão e pelo seu interrogatório policial (art. 5º, LXIV, CF);
f) a prisão ilegal deve ser relaxada pelo juiz (art. 5º, LXV, CF); g) a liberdade provisória é um direito do preso, dependente apenas das condições fixadas em lei (art. 5º, LXVI, CF).
Avaliando-se a eficiência dos dispositivos citados, conclui-se que, no geral, a jurisprudência trilha a meta de garantir o fortalecimento da presunção de inocência. A prisão cautelar, se voltarmos os olhos ao passado, era decretada em maior extensão, abrangendo casos desnecessários e provocando situações despidas de razoabilidade. Atualmente, ainda que alguns magistrados continuem a decretar a prisão processual sem necessidade e contrariando o postulado do estado de inocência, os Tribunais vêm corrigindo essa distorção, concedendo ordens de habeas corpus com freqüência e orientando a formação de um entendimento que consolida a garantia de se permanecer em liberdade até o trânsito em julgado de sentença condenatória.
Outra particularidade, advinda diretamente do texto constitucional de 1988, foi a cessação, quase total, da denominada prisão para averiguação. Costumavam alguns agentes policiais deter pessoas para averiguação, sem ordem do juiz e ausente o estado de flagrância. A medida restritiva da liberdade tinha por finalidade instruir, na maioria das vezes, a investigação policial. Substituindo essa forma indevida de prisão, seguindo-se mandamento constitucional, editou-se a Lei 7.960/89, criando-se a prisão temporária, justamente para atender a fase da investigação criminal, porém, contando com a determinação judicial e por prazo certo. A formação dos bacharéis em Direito, depois da Constituição de 1988, aprimorou-se e a prisão cautelar, anteriormente efetivada sem maiores formalidades, passou a constituir instituto cercado de maiores cuidados.
A redemocratização ocorrida no Brasil após 1985 atingiu seu ápice institucional com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Por isso, a prisão processual ganhou visibilidade, não mais se tolerando a detenção camuflada, sem comunicação a terceiros e, pior, sem controle judicial. A par disso, instituiu-se o direito ao silêncio, impedindo-se que, contrariamente à vontade do investigado ou acusado, promova-se a extração coercitiva da confissão. Ninguém é obrigado a se auto-acusar, preceito hoje consagrado tanto na doutrina como na jurisprudência. Além da transparência da prisão, a pessoa detida tem o direito de saber quem foi o responsável pelo cerceamento da sua liberdade, podendo tomar as medidas cabíveis para apurar eventual abuso de autoridade.
Prisões ilegalmente realizadas devem ser relaxadas tão logo comunicadas ao magistrado. Ao lado dessa providência, o direito de aguardar em liberdade o julgamento definitivo passou a constituir um forte obstáculo à prisão automática e generalizada. Cada caso deve ser analisado à luz dos elementos fundamentais de necessariedade e da razoabilidade. A lei ordinária não pode, singelamente, proibir a liberdade provisória, sem critério e de maneira desordenada. Exemplo disso foi a decisão do Supremo Tribunal Federal, que considerou inconstitucional o art. 21 da Lei 10.826/2003 (Armas) por vedar, sem maiores detalhes, a liberdade provisória (“Os crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 são insuscetíveis de liberdade provisória”).
A reforma trazida pelas Leis 11.689/08 e 11.719/08 consagra idêntica visão acerca da excepcionalidade da prisão cautelar. Não mais existe, no Código de Processo Penal, qualquer modalidade de prisão automática ou fundada em elementos inconsistentes. A prisão preventiva (art. 312, CPP) passa a ser o modelo regente de todas as demais, como a prisão para recorrer e para aguardar o júri.
Tem-se consagrado, cada vez mais, o direito à utilização do instrumento do habeas corpus para impugnar decretos de prisão de toda ordem, além de se permitir a oposição do interessado em relação a investigações criminais e processos instaurados sem justa causa.
Há muito a evoluir, entretanto. O sistema prisional brasileiro ainda padece da falta de vagas, gerando por conseqüência a indevida e injusta inserção do preso provisório em celas habitadas por presos condenados definitivamente. Essa mescla de pessoas foge à orientação legal e, sobretudo, constitucional, visto não se permitir nem mesmo a pena cruel (o que a superlotação não consegue evitar) quanto mais a detenção provisória em situação análoga.
Outro dado preocupante é a excessiva duração da prisão cautelar, que também contraria a idéia de celeridade do processo criminal e, por óbvio, termina por ferir qualquer base de razoabilidade. Não se pode deter alguém, considerado inocente até decisão condenatória definitiva, por períodos longos e que podem, inclusive, ser equiparados ao cumprimento de pena. Por outro lado, deve-se garantir a segurança pública, direito constitucional dos brasileiros, motivo pelo qual a simples soltura de preso, sem se atentar para a garantia da ordem pública, também não deveria ser o mecanismo adotado como padrão.
O mais adequado aparelhamento do Poder Judiciário e dos demais órgãos responsáveis pela segurança pública é indispensável, visando-se o processo célere, com respeito aos direitos e garantias individuais, sem abrir mão da garantia da ordem pública. A prisão cautelar, em si mesma, não foi vedada pelo texto constitucional de 1988, ao contrário, nele encontra lastro. Porém, a busca pelo equilíbrio entre os interesses individuais, que falam pela liberdade, e os interesses da sociedade, que buscam a segurança, é o ideal a ser perseguido.
Possam os vinte anos de vigência da Constituição de 1988 inspirar os Poderes do Estado a respeitar, cada vez mais, os direitos e garantias humanas fundamentais.