Esses termos são usados com freqüência, atualmente, para questionar quais são os reais problemas e obstáculos da Justiça brasileira, em particular, no campo processual penal. Como garantir a punição justa aos criminosos, de modo célere, sem prejuízo da ampla defesa, constitucionalmente assegurada? Não somente os operadores do Direito ingressam na discussão, mas, sobretudo, os órgãos de imprensa e os parlamentares, justamente os que fazem as leis, por vezes as autênticas condutoras das melhorias – ou pioras – no sistema processual pátrio.
Entretanto, soa-nos, de certa forma, utópico que qualquer reforma, no campo do processo penal, surta efeito apenas com modificações legislativas, sem a efetiva implantação de investimento na área. Em todo cenário, qualquer que seja o assunto, faltando caixa para sustentar o ideal, não se transforma o mundo real. Por isso, menciona-se muito a impunidade, como fator de desestabilidade do universo da Justiça Criminal, com o que não podemos discordar, mas somente acrescentar não ser ela fruto exclusivo – e principal – do vetusto Código de Processo Penal.
A pretexto de melhorar a legislação, evitando-se a prescrição e a perda natural das provas pelo decurso do tempo, em face de um lento trâmite do processo, voltamos os olhos para o termo celeridade. Seria essa a fórmula mágica para combater a impunidade. Mas, processos de trâmite rápido, com encurtamento de ritos e atropelos na produção de provas seriam seguros? Favoreceriam, de fato, o combate à impunidade? Ou acabariam tornando-se instrumentos potentes de estrangulamento do princípio constitucional da ampla defesa, mormente no âmbito penal, onde deveria ser fielmente respeitado.
A Constituição Federal, como garantia humana fundamental, além da ampla defesa, promete indenizar o erro judiciário (art. 5º, LXXV), demonstrando a preocupação do constituinte com os açodamentos no momento de verificação da culpa de pessoas acusadas da prática de uma infração penal. Até que ponto os ritos procedimentais abreviados garantem combate à impunidade? Aliás, se os organismos estatais continuarem sem investimentos efetivos, tanto quanto à infra-estrutura (informatização, material, serventuários etc.) como no tocante aos operadores do Direito (delegados, membros do Ministério Público, defensores públicos e magistrados), em número suficiente e condignamente remunerados, nenhuma reforma processual penal terá sentido ou resultado prático. Será a antiga e surrada resposta que o Poder Legislativo fornece à sociedade, após algum acontecimento fático escandaloso, como um crime de repercussão nacional, com reflexos momentâneos nefastos.
Quando houve uma reflexão e uma harmonia real entre os Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, por exemplo, com a constituição de uma comissão mista para o estudo das verdadeiras causas da lentidão da Justiça, da polícia judiciária e de órgãos que compõem a base da segurança pública? Com resultados práticos, naturalmente. Cremos que nunca. Não seria o caso de se refletir sobre isso, agindo antes do crime bárbaro ocorrer e, por vezes, ficar o delinqüente sem a devida punição? Legislar, rapidamente, ressuscitando-se projetos de lei mortos ou adormecidos nos escaninhos do Congresso Nacional, nunca surtiu efeito positivo.
O Estado, segundo nos parece, deve estar à frente do crime e não se pode conceber ser ele refém das mais ousadas e criativas iniciativas da delinqüência, hoje mais organizada que o aparato estatal. Ilustrando, há quantos anos existem celulares em funcionamento no Brasil? Pelo menos uns quatorze anos. Somente hoje se percebeu que é preciso impedir a entrada desse meio de comunicação de fácil utilização dentro dos presídios? É a prova de que o Estado corre atrás da ação criminosa; jamais consegue estar à frente, impedindo, através da prevenção, a prática do delito.
Por isso, a busca da celeridade, sob o fundamento de combate à impunidade, pode trazer, na legislação de emergência, reflexos traumáticos à ampla defesa.
Para a reflexão do leitor, ingressemos no cenário da Lei 9.099/95. Em nome da celeridade, quantas pessoas não estão celebrando transações, em audiências instruídas apenas e unicamente pelo termo circunstanciado, peça singela, com pouquíssima prova segura, apenas para se verem livres do monstro chamado processo, conduzido pelo lento Judiciário? Ou fazem os tais acordos por pressão de operadores do Direito que desejam o fim da demanda antes mesmo de se apurar, com respeito à dignidade da pessoa humana, a culpa? A fórmula de fugir ao processo, assumindo o cumprimento de uma pena qualquer, é algo célere, sem dúvida. Porém, imanta-se à ampla defesa, prometida pelo constituinte? Não estamos seguros disso. À luz do “sucesso” dos Juizados Especiais Criminais, que resolvem “problemas penais” rapidamente, cada vez mais os legisladores se animam a ampliar o leque das infrações de menor potencial ofensivo. Chegará o dia em que o roubo será assim denominado, apenas para cair no contexto da celeridade, associada à idéia de combate à impunidade.
Novas leis vêm por aí. São vários os projetos em trâmite. Buscam o enxugamento dos ritos: exemplo disso foi o ocorrido com os crimes falimentares, complexos por natureza, no tocante à sua apuração, que segue o rito sumário, porém são infrações apenadas com reclusão). Promete-se a modernização da Justiça pela utilização da vídeo-conferência, que evitaria gastos inúteis no deslocamento de presos. Age-se, nesse sentido, como se uma audiência dispensasse o contato pessoal entre julgador e testemunhas, réu(s) e outros participantes do processo, tornando-se uma reunião empresarial, que se pode realizar à distância. Mas aulas já se fazem desse modo, dirão alguns. E quem pode garantir a eficiência desse método de ensinamento? Somente o futuro dirá. Menosprezar o contato humano, substituindo-se pela celeridade da imagem televisiva, pode ser instrumentalmente útil, porém, transforma, cada vez mais, o processo em um formal procedimento para terminar logo uma discussão que pode envolver um dos mais preciosos direitos humanos fundamentais: a liberdade.
Realizar toda a produção de provas em uma única audiência é o sonho idealizado por muitos. Quem garante o comparecimento de todas as testemunhas e de todos os operadores do Direito, sem qualquer falha? Sim, porque se uma testemunha de acusação, por exemplo, faltar, não concordando a defesa com a inversão da produção da prova, ouvindo-se as de defesa, de imediato, o que se fará? Fruto natural da ampla defesa, outra audiência deverá ser designada, com condução coercitiva da testemunha faltante e aguardando-se, outra vez, o comparecimento de todas as de defesa. Já não terá sido audiência única. Porém, como o magistrado reservou a pauta daquele dia para esse ato, afinal, muitas eram as pessoas a ouvir, não poderá ocupá-la com outro caso e haverá uma perda de tempo inequívoca.
Estamos refletindo apenas, mas calcados em dados concretos, consistentes na falta de estrutura material e humana do Poder Judiciário e dos demais órgãos ligados à segurança pública. Tememos, na essência, pela reestruturação assistemática da legislação processual penal, provocando fissuras inaceitáveis em direitos e garantias humanas fundamentais. Leis novas não farão o Judiciário brasileiro transformar-se em autêntica fênix, renascendo para melhor, somente porque há novos ritos e métodos para explorar a culpa de réus. Pode-se partir para a célere celebração da punição em escala descalibrada, consagrando-se o lamentável erro judiciário. Assim ocorrendo, ad argumentandum, teríamos invadido o campo do indevido processo legal.