A liberdade é a regra; a prisão, uma exceção. Nada mais correto em matéria de preservação dos direitos e garantias humanas fundamentais do que se buscar manter, sempre que possível, a liberdade do indivíduo. Afinal, consagra-se, por tal mecanismo, o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF). Por outro lado, assegurada que foi, como direito humano fundamental, a segurança (art. 5º, caput, CF), não se pode perder de vista a ideal composição e harmonia do sistema, sopesando-se o indeclinável contraste entre o interesse do indivíduo e o da sociedade.
Por isso, embora todo acusado seja considerado inocente até o trânsito em julgado de decisão criminal condenatória, torna-se viável a ocorrência de sua prisão cautelar, quando indispensável, dentre outros fatores, à garantia da ordem pública. O direito à segurança não pode ser olvidado, unicamente pelo fato de haver sido previsto o direito à presunção de inocência. Pode-se, perfeitamente, compatibilizar os interesses. Caso seja necessária a decretação da custódia cautelar de um indiciado ou acusado, não se passa, em decorrência disso, a considerá-lo culpado. Continuará a ser tratado como pessoa inocente, ainda que esteja privado de sua liberdade. A origem e a fundamentação da segregação têm bases diversas, não dizendo respeito à culpa ou inocência, mas à necessidade de se prender aquele que, de outra forma, colocaria em risco o direito de outros indivíduos à segurança.
O artigo 312 do Código de Processo Penal fornece os alicerces para a compreensão e para a utilização da prisão cautelar, de um modo geral. É fundamental existir prova da existência do crime (materialidade) e indícios suficientes de autoria. Associado a ambos os requisitos, acrescenta-se mais um, pelo menos: a) garantia da ordem pública; b) garantia da ordem econômica; c) conveniência da instrução criminal; d) garantia de aplicação da lei penal.
O mais polêmico dos requisitos alternativos, que abrange o mais vasto campo para divergência, segundo nos parece, é a garantia da ordem pública. Em primeiro lugar, pela própria interpretação dessa expressão. Como se pode pensar em assegurar a ordem pública por meio da prisão, por exemplo, de apenas uma pessoa? Por acaso, a sociedade aquietaria seus ânimos e a vida transcorreria sob o prisma ideal simplesmente porque este ou aquele indivíduo foi detido? É evidente que não se pode elevar a ordem pública a uma categoria por demais envolvente. Em grandes metrópoles, afinal, a prisão de uma pessoa nem mesmo é conhecida da imensa maioria da população local.
Diante disso, a análise da expressão colocada em destaque deve ser feita dentro de limites mais modestos, voltando-se a uma comunidade determinada qualquer (rua, bairro, pequena cidade, zona rural etc.). Assim idealizada, a ordem pública ganha o contorno local ou regional, mas jamais, como regra, estadual ou nacional. A conseqüência é óbvia: a prisão cautelar de um indivíduo, ilustrando, acusado de matar inúmeras pessoas no bairro onde vive, desde que existam indícios suficientes de autoria e prova da materialidade dos delitos, pode, sem dúvida, garantir a tranqüilidade dos moradores daquela localidade. Cuida-se, pois, do asseguramento da ordem pública.
Sob outro prisma, quanto aos elementos essenciais para a configuração desse requisito da prisão preventiva, deve-se empreender uma verificação a contrário senso. Em outras palavras, se o magistrado não decretar a prisão cautelar, qual seria o resultado fático dessa postura? Havendo inquietude espalhada por um número indeterminado de pessoas, começa-se a firmar a desordem pública. Logo, caberia a decretação da prisão cautelar.
Em conseqüência, tanto a doutrina como a jurisprudência vêm fornecendo um rol quase infindável de motivos para sustentar a prisão preventiva com base na garantia da ordem pública. Segundo nos parece, um binômio não pode ser afastado: gravidade da infração penal + repercussão social. A título de ilustração, um homicídio qualificado pela torpeza, crueldade e traição, cuja vítima era pessoa estimada em determinada localidade (ou mesmo em nível nacional), provoca imenso desassossego a quem disso tem ciência. Projeta-se, como é natural do ser humano, a sensação de que inexiste segurança pública, pois “até Fulano” já foi atingido. Ora, o crime cometido de maneira perversa, capaz de chocar a moralidade média, lesando valor fundamental (como é a vida humana), cuja motivação é repugnante (torpeza), torna-se mecanismo viável para gerar a intranqüilidade de muitos. Aliás, quanto menor a localidade onde se der o delito, maior será a sensação de desordem pública.
Além desse binômio, pode-se acrescer a análise dos antecedentes do agente. Aquele que possui variados antecedentes criminais, demonstrando não ter sido a sua primeira infração, precisa ser avaliado com maior acuidade. Não nos parece lógico, em outra ilustração, permitir fique em liberdade, aguardando a finalização de um processo cuja imputação é de roubo seguido de morte (latrocínio), o réu de maus antecedentes, mormente se estes disserem respeito a outros crimes violentos contra a pessoa. A inquietação social poderia emergir de maneira natural.
Atualmente, outro fator que demanda atenção é o envolvimento do agente com o crime organizado. Dependendo da gravidade da infração, a associação criminosa torna-se elemento de destaque para que o juiz analise a necessidade da custódia cautelar. Um homicídio passional, cometido por réu primário, sem antecedentes, embora ilícito penal, não gera, necessariamente, a prisão preventiva, até pelo fato de, muitas vezes, não ser capaz de provocar desassossego coletivo. Tal situação é lógica, pois quem toma conhecimento da infração penal não se vê como vítima em potencial. O crime teve por motivação a paixão, algo que, como regra, nasce, vive e desaparece naquela relação entre autor e vítima, não se espalhando para outros cantos. Entretanto, um homicídio cometido por integrante de quadrilha, réu reincidente, com maus antecedentes, visando eliminar a testemunha de outro crime qualquer é, sem dúvida, diferente. Quem desse fato toma conhecimento projeta-se para o cenário do delito, imaginando que, no futuro, qualquer pessoa de seu relacionamento poderia ser abatida pelo agente, desde que conveniente à organização criminosa. É o desassossego, abalando a ordem pública.
A prisão preventiva, quando seus requisitos estiverem nitidamente presentes, precisa ser decretada, sob pena de produzir o descrédito em relação ao Poder Judiciário. Afinal, da mesma forma que o indivíduo possui, na figura do magistrado, quem lhe pode assegurar a liberdade, em contraposição à força do Estado, é preciso considerar que a sociedade, como um todo, também crê na magistratura, respeitadas as regras do Estado Democrático de Direito, para fazer cessar, em breve tempo, agressões aos direitos humanos fundamentais. A garantia da ordem pública, por isso, não é fator estanque, merecendo análise criteriosa em cada caso concreto.