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STF proíbe revista vexatória em presídios, mas admite inspeções íntimas em casos excepcionais

Os direitos e garantias fundamentais concorrem no cotidiano, emergindo conflitos sociais e individuais, que precisam ser solucionados à luz da regra de harmonização dos princípios, sem que um direito se sobreponha a outro de maneira absoluta. A composição de interesses é o caminho sensato e prudente para sanar confrontos, tais como a dignidade da pessoa humana em contraste com a segurança pública. É justamente esse o aparente conflito existente na questão recentemente resolvida pelo Supremo Tribunal Federal (ARE 959620-RS, Plenário, rel. Edson Fachin, 02.4.2025, v.u.) que, todavia, pode ser resolvido pela justaposição principiológica.

O ingresso em estabelecimentos penitenciários, para visita aos internos, em todo o mundo, requer a indispensável segurança para que não ingressem instrumentos perigosos, passíveis de se transformar em armas, além de drogas, bebidas alcoólicas e aparelhos celulares. Entretanto, em alguns lugares, tem-se utilizado de medidas invasivas aos visitantes, no tocante à revista íntima, que termina por se transformar em situação vexatória e humilhante, o que desrespeita a dignidade da pessoa humana.

O STF proferiu, em recente julgamento, por unanimidade, uma decisão equânime, a inspirar, daqui para frente, o mecanismo de controle da entrada de pessoas e coisas nos presídios. Em nossa atividade jurisdicional, temos acompanhado vários casos de prisões em flagrante, na entrada de estabelecimentos penitenciários, de visitantes, carregando não apenas em bolsas e outros pertences, mas em alimentos e no interior de seus corpos, quantidades de drogas ilícitas destinadas aos presos. A par disso, noutras situações, são apreendidos celulares, montados ou desmontados, inseridos em alimentos, fraldas de bebês, roupas e, de modo mais ousados, introduzidos na vagina ou no ânus. É certo que essa atitude é criminosa, mas não é generalizada, o que demanda cautela para a determinação de uma revista íntima, afinal, a submissão a atos constrangedores a todos os visitantes não se coaduna com a excepcionalidade dos casos.

A intimidade e a privacidade fazem parte da dignidade humana, merecedoras de respeito, do mesmo modo que a segurança dos estabelecimentos prisionais demanda cuidado ao recepcionar visitantes, que podem inserir nos locais objetos inadequados, colocando em risco a ordem interna e, em última análise, a segurança pública. Isto porque, caso armas cheguem aos detentos, pode haver uma rebelião e fuga em massa, gerando perigo à sociedade; noutro aspecto, se os presos se drogarem, a ressocialização se torna prejudicada; se forem inseridos celulares, a comunicação dos internos com companheiros de grupo criminoso fora do presídio não apenas coloca em risco a segurança interna, como a segurança da sociedade.

As medidas preventivas precisam ser tomadas, mas devem compatibilizar-se com o respeito à pessoa visitante. Por isso, o STF considerou inadmissível a revisão íntima vexatória, que envolva o desnudamento de visitantes ou os exames invasivos, que podem gerar humilhação. Obrigar que o visitante fique nu consiste em invasão à intimidade; constranger a pessoa a se agachar, nua, fazendo esforço para expelir algo, igualmente, constitui ato vexatório. Assim sendo, a primeira regra extraída dessa vedação é que, caso expelida droga ou celular dessa revista, será incapaz de formar a materialidade de um crime, porque se tratará de prova obtida de forma ilícita. O agente público saberá, desde logo, a impropriedade da revista íntima vergonhosa e a inutilidade de sua ordem, visto que não poderá dar voz de prisão em flagrante – ao menos, ordem legal –, pois a droga eventualmente obtida será considerada prova ilícita.

No entanto, não se permite o livre acesso aos presídios, sem qualquer revista ou análise das pessoas e das coisas que carregam. Em primeiro lugar, destacou-se, como exceção, a existência de ordem judicial apontada para qualquer caso concreto, como, por exemplo, a expedição de mandado de busca pessoal (revista) porque há provas precedentes indicativas de eventual ingresso em certo estabelecimento com coisas ilícitas.

Compatibilizam-se os princípios fundamentais. A partir disso, a autoridade administrativa local, sempre da maneira fundamentada e por escrito – o que servirá de prova, sem necessidade de se ouvir testemunhas, pode impedir a visita, caso tenha indício veemente de que o visitante carrega algo ilegal consigo de modo oculto. Confere-se, nessa decisão do Pretório Excelso, a indicação do que vem a ser um indício robusto: existência de elementos tangíveis e verificáveis, como informes prévios de inteligência (investigação policial ou de outra fonte), denúncias (inclusive anônimas, desde que tenham coerência e base fática), além do comportamento estranho do visitante, demonstrativo de medo ou atitude de ocultação de qualquer objeto.

O STF conferiu o prazo de 24 meses para que o Poder Executivo, administrador dos presídios, providencie a aquisição e instalação de equipamentos apropriados (scanners corporais, raio X, portais detectores de metais etc.) para os estabelecimentos penais, embora se saiba, como já ocorreu anteriormente, que essas decisões funcionam muito mais como indicativos de qual deve ser o procedimento adequado do que propriamente como uma ordem judicial da qual não se poderia eximir-se. Afinal, o proclamado estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário, realizado pelo STF, já possui anos e até o momento não se resolveu efetivamente. De toda sorte, o Judiciário sinaliza que há mecanismos – como em outros países – para fiscalizar o ingresso de visitantes por meios eletrônicos, sem necessidade de invadir a intimidade corporal. Essa é a justa medida entre segurança e privacidade individual.

Enquanto não houver esses aparelhos, em casos excepcionais, pode-se fazer a revista íntima, devidamente motivada concretamente, sem provocar humilhação e exposição vexatória. A excepcionalidade concentra-se na existência de veementes indícios de elementos palpáveis e verificáveis acerca do transporte de objetos ilícitos – como drogas, armas e celulares. Exige-se que o visitante concorde com a revista; se não o fizer, pode ser impedido de ingressar no estabelecimento. Far-se-á a revista em local apropriado, somente em pessoas maiores de 18 anos, que tenham capacidade de consentimento, por agentes do mesmo gênero, preferencialmente por profissionais de saúde, quando houver desnudamento e outros exames invasivos. Observe-se, todavia, que a questão de gênero deve ser ponderada com bom senso; afinal, se o visitante se apresentar como transgênero, por certo, inexistirá servidor em idêntica situação, como regra, para a revista. Deve-se seguir o gênero indicado pela pessoa visitante para se indicar o funcionário encarregado do ato.

A decisão do STF estabelece que qualquer excesso ou abuso nessa revista íntima acarretará responsabilidade do agente ou do profissional de saúde, além de gerar ilicitude da prova eventualmente obtida. Note-se que essa responsabilização se dará na órbita administrativa, geralmente, exceto se configurar algum delito de natureza sexual – como, por exemplo, importunação sexual e, até mesmo, estupro. Quando o visitante for criança, adolescente ou pessoa com deficiência intelectual, sem consentimento válido, a revista ocorrerá na forma invertida, ou seja, será direcionada ao detento. Por lógica, ao término do contato, será o preso devidamente revistado intimamente, havendo robustos indícios de objeto ilícito que lhe tenha sido entregue.

Em síntese, embora se acompanhe em alguns veículos de comunicação várias críticas a essa vedação, afirmando colocar em risco a segurança do estabelecimento penal e, por via de consequência, da sociedade, não vislumbramos esse alcance. Há diversidade de maneiras, expostas pelo próprio STF, para acomodar todos os interesses. Em primeiro lugar, a utilização de equipamentos apropriados, como se usa em aeroportos e zonas alfandegárias no mundo todo. Resolve quase todos os casos. Em segundo, a viabilidade de se exigir a revista íntima, com as devidas cautelas para evitar humilhação e situação vexatória. Em terceiro, havendo indícios veementes de entrada de objeto ilícito, recusando-se a pessoa visitante à revista mais detalhada, será impedida de ingressar no recinto prisional. Portanto, equilibram-se os direitos e interesses em jogo, preservando-se a intimidade individual e a segurança pública.Continue a ler »STF proíbe revista vexatória em presídios, mas admite inspeções íntimas em casos excepcionais

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