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Justiça Retributiva X Justiça Restaurativa

O Direito Penal sempre se pautou pelo critério da retribuição ao mal concreto do crime com o mal concreto da pena, segundo as palavras de Hungria. A evolução das ideias e o engajamento da ciência penal em outras trilhas, mais ligadas aos direitos e garantias fundamentais, vêm permitindo a construção de um sistema de normas penais e processuais penais preocupado não somente com a punição, mas, sobretudo, com a proteção ao indivíduo em face de eventuais abusos do Estado. O cenário das punições tem, na essência, a finalidade de pacificação social, muito embora pareça, em princípio, uma contradição latente falar-se, ao mesmo tempo em punir e pacificar. Mas é exatamente assim que ainda funciona o mecanismo humano de equilíbrio entre o bem e o mal. Se, por um lado, o crime jamais deixará de existir no atual estágio da sociedade, em países ricos ou pobres, por outro, há formas humanizadas de garantir a eficiência do Estado para punir o infrator, corrigindo-o, sem humilhação, com a perspectiva de pacificação social.

O Estado chamou a si o monopólio punitivo – medida representativa, a bem da verdade, de civilidade. A partir disso, não se pode permitir que alguns firam interesses de outros sem a devida reparação. E, mais, no cenário penal, é inviável que se tolere determinadas condutas lesivas, ainda que a vítima permita (ex.: tentativa de homicídio).

Há valores indisponíveis, cuja preservação interessa a todos e não somente a um ou outro indivíduo (ex.: meio ambiente). Portanto, se “A” destruir uma floresta nativa, existente na propriedade de “B”, não cabe ao Estado perguntar a este último se deve ou não punir o agente infrator. O interesse é coletivo. A punição estatal, logo oficial, realizada por meio do devido processo legal, proporciona o necessário contexto de Estado Democrático de Direito, evitando-se a insatisfatória e cruel vingança privada.

A Justiça Retributiva sempre foi o horizonte do Direito Penal e do Processo Penal.

Despreza-se, quase por completo, a avaliação da vítima do delito. Obriga-se, quase sempre, a promoção da ação penal por órgãos estatais, buscando a punição do infrator. Leva-se às últimas consequências a consideração de bens indisponíveis, a ponto de quase tudo significar ofensa a interesse coletivo. Elimina-se, na órbita penal, a conciliação, a transação e, portanto, a mediação. Em suma, volta-se a meta do Direito Penal a uma formal punição do criminoso como se outros valores inexistissem.

A denominada Justiça Restaurativa, aos poucos, instala-se no sistema jurídico-penal brasileiro, buscando a mudança do enfoque supramencionado. Começa-se a relativizar os interesses, transformando-os de coletivos em individuais típicos, logo, disponíveis. A partir disso, ouve-se mais a vítima. Transforma-se o embate entre agressor e agredido num processo de conciliação, possivelmente, até, de perdão recíproco. Não se tem a punição do infrator como único objetivo do Estado. A ação penal passa a ser, igualmente, flexibilizada, vale dizer, nem sempre obrigatoriamente proposta. Restaura-se o estado de paz entre pessoas que convivem, embora tenha havido agressão de uma contra outra, sem necessidade do instrumento penal coercitivo e unilateralmente adotado pelo Poder Público.

Parece-nos que o estudioso do Direito Penal e Processual Penal precisa debruçar-se sobre os caminhos a seguir nesse dicotômico ambiente de retribuição e restauração. No entanto, deve fazê-lo de maneira objetiva, aberta, comunicando-se com a sociedade e, acima de tudo, propondo meios e instrumentos eficientes para se atingir resultados concretos positivos. Por vezes, nota-se a atuação legislativa vacilante e ilógica, atormentada pela mídia e pela opinião pública, sem qualquer critério científico ou, no mínimo, razoável.

A Justiça Restaurativa pode ser um ideal válido para a Política Criminal brasileira nos campos penal e processual penal, mas, sem utopias e abstendo-se o jurista (bem como o legislador que o segue) de importar mecanismos usados em países com realidades completamente diferentes da existente no Brasil.

Há crimes que merecem punição, com foco voltado mais à retribuição do que à restauração (ex.: homicídio, extorsão mediante sequestro, tráfico ilícito de drogas). Outros, sem dúvida, já admitem a possibilidade de se pensar, primordialmente, em restauração (ex.: crimes contra a propriedade, sem violência; crimes contra a honra; crimes contra a liberdade individual).

Nenhuma solução em favor desta ou daquela Justiça (retributiva ou restaurativa) pode ser absoluta. Se a retribuição, como pilar exclusivo do Direito Penal e do Processo Penal, não se mantém como ideal, não será a migração completa para a restauração que proporcionará a tão almejada situação de equilíbrio.

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Trecho extraído da obra Manual de Direito Penal – Volume Único, Ed. Forense, 21ª Edição, 2025.

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STF proíbe revista vexatória em presídios, mas admite inspeções íntimas em casos excepcionais

Os direitos e garantias fundamentais concorrem no cotidiano, emergindo conflitos sociais e individuais, que precisam ser solucionados à luz da regra de harmonização dos princípios, sem que um direito se sobreponha a outro de maneira absoluta. A composição de interesses é o caminho sensato e prudente para sanar confrontos, tais como a dignidade da pessoa humana em contraste com a segurança pública. É justamente esse o aparente conflito existente na questão recentemente resolvida pelo Supremo Tribunal Federal (ARE 959620-RS, Plenário, rel. Edson Fachin, 02.4.2025, v.u.) que, todavia, pode ser resolvido pela justaposição principiológica.

O ingresso em estabelecimentos penitenciários, para visita aos internos, em todo o mundo, requer a indispensável segurança para que não ingressem instrumentos perigosos, passíveis de se transformar em armas, além de drogas, bebidas alcoólicas e aparelhos celulares. Entretanto, em alguns lugares, tem-se utilizado de medidas invasivas aos visitantes, no tocante à revista íntima, que termina por se transformar em situação vexatória e humilhante, o que desrespeita a dignidade da pessoa humana.

O STF proferiu, em recente julgamento, por unanimidade, uma decisão equânime, a inspirar, daqui para frente, o mecanismo de controle da entrada de pessoas e coisas nos presídios. Em nossa atividade jurisdicional, temos acompanhado vários casos de prisões em flagrante, na entrada de estabelecimentos penitenciários, de visitantes, carregando não apenas em bolsas e outros pertences, mas em alimentos e no interior de seus corpos, quantidades de drogas ilícitas destinadas aos presos. A par disso, noutras situações, são apreendidos celulares, montados ou desmontados, inseridos em alimentos, fraldas de bebês, roupas e, de modo mais ousados, introduzidos na vagina ou no ânus. É certo que essa atitude é criminosa, mas não é generalizada, o que demanda cautela para a determinação de uma revista íntima, afinal, a submissão a atos constrangedores a todos os visitantes não se coaduna com a excepcionalidade dos casos.

A intimidade e a privacidade fazem parte da dignidade humana, merecedoras de respeito, do mesmo modo que a segurança dos estabelecimentos prisionais demanda cuidado ao recepcionar visitantes, que podem inserir nos locais objetos inadequados, colocando em risco a ordem interna e, em última análise, a segurança pública. Isto porque, caso armas cheguem aos detentos, pode haver uma rebelião e fuga em massa, gerando perigo à sociedade; noutro aspecto, se os presos se drogarem, a ressocialização se torna prejudicada; se forem inseridos celulares, a comunicação dos internos com companheiros de grupo criminoso fora do presídio não apenas coloca em risco a segurança interna, como a segurança da sociedade.

As medidas preventivas precisam ser tomadas, mas devem compatibilizar-se com o respeito à pessoa visitante. Por isso, o STF considerou inadmissível a revisão íntima vexatória, que envolva o desnudamento de visitantes ou os exames invasivos, que podem gerar humilhação. Obrigar que o visitante fique nu consiste em invasão à intimidade; constranger a pessoa a se agachar, nua, fazendo esforço para expelir algo, igualmente, constitui ato vexatório. Assim sendo, a primeira regra extraída dessa vedação é que, caso expelida droga ou celular dessa revista, será incapaz de formar a materialidade de um crime, porque se tratará de prova obtida de forma ilícita. O agente público saberá, desde logo, a impropriedade da revista íntima vergonhosa e a inutilidade de sua ordem, visto que não poderá dar voz de prisão em flagrante – ao menos, ordem legal –, pois a droga eventualmente obtida será considerada prova ilícita.

No entanto, não se permite o livre acesso aos presídios, sem qualquer revista ou análise das pessoas e das coisas que carregam. Em primeiro lugar, destacou-se, como exceção, a existência de ordem judicial apontada para qualquer caso concreto, como, por exemplo, a expedição de mandado de busca pessoal (revista) porque há provas precedentes indicativas de eventual ingresso em certo estabelecimento com coisas ilícitas.

Compatibilizam-se os princípios fundamentais. A partir disso, a autoridade administrativa local, sempre da maneira fundamentada e por escrito – o que servirá de prova, sem necessidade de se ouvir testemunhas, pode impedir a visita, caso tenha indício veemente de que o visitante carrega algo ilegal consigo de modo oculto. Confere-se, nessa decisão do Pretório Excelso, a indicação do que vem a ser um indício robusto: existência de elementos tangíveis e verificáveis, como informes prévios de inteligência (investigação policial ou de outra fonte), denúncias (inclusive anônimas, desde que tenham coerência e base fática), além do comportamento estranho do visitante, demonstrativo de medo ou atitude de ocultação de qualquer objeto.

O STF conferiu o prazo de 24 meses para que o Poder Executivo, administrador dos presídios, providencie a aquisição e instalação de equipamentos apropriados (scanners corporais, raio X, portais detectores de metais etc.) para os estabelecimentos penais, embora se saiba, como já ocorreu anteriormente, que essas decisões funcionam muito mais como indicativos de qual deve ser o procedimento adequado do que propriamente como uma ordem judicial da qual não se poderia eximir-se. Afinal, o proclamado estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário, realizado pelo STF, já possui anos e até o momento não se resolveu efetivamente. De toda sorte, o Judiciário sinaliza que há mecanismos – como em outros países – para fiscalizar o ingresso de visitantes por meios eletrônicos, sem necessidade de invadir a intimidade corporal. Essa é a justa medida entre segurança e privacidade individual.

Enquanto não houver esses aparelhos, em casos excepcionais, pode-se fazer a revista íntima, devidamente motivada concretamente, sem provocar humilhação e exposição vexatória. A excepcionalidade concentra-se na existência de veementes indícios de elementos palpáveis e verificáveis acerca do transporte de objetos ilícitos – como drogas, armas e celulares. Exige-se que o visitante concorde com a revista; se não o fizer, pode ser impedido de ingressar no estabelecimento. Far-se-á a revista em local apropriado, somente em pessoas maiores de 18 anos, que tenham capacidade de consentimento, por agentes do mesmo gênero, preferencialmente por profissionais de saúde, quando houver desnudamento e outros exames invasivos. Observe-se, todavia, que a questão de gênero deve ser ponderada com bom senso; afinal, se o visitante se apresentar como transgênero, por certo, inexistirá servidor em idêntica situação, como regra, para a revista. Deve-se seguir o gênero indicado pela pessoa visitante para se indicar o funcionário encarregado do ato.

A decisão do STF estabelece que qualquer excesso ou abuso nessa revista íntima acarretará responsabilidade do agente ou do profissional de saúde, além de gerar ilicitude da prova eventualmente obtida. Note-se que essa responsabilização se dará na órbita administrativa, geralmente, exceto se configurar algum delito de natureza sexual – como, por exemplo, importunação sexual e, até mesmo, estupro. Quando o visitante for criança, adolescente ou pessoa com deficiência intelectual, sem consentimento válido, a revista ocorrerá na forma invertida, ou seja, será direcionada ao detento. Por lógica, ao término do contato, será o preso devidamente revistado intimamente, havendo robustos indícios de objeto ilícito que lhe tenha sido entregue.

Em síntese, embora se acompanhe em alguns veículos de comunicação várias críticas a essa vedação, afirmando colocar em risco a segurança do estabelecimento penal e, por via de consequência, da sociedade, não vislumbramos esse alcance. Há diversidade de maneiras, expostas pelo próprio STF, para acomodar todos os interesses. Em primeiro lugar, a utilização de equipamentos apropriados, como se usa em aeroportos e zonas alfandegárias no mundo todo. Resolve quase todos os casos. Em segundo, a viabilidade de se exigir a revista íntima, com as devidas cautelas para evitar humilhação e situação vexatória. Em terceiro, havendo indícios veementes de entrada de objeto ilícito, recusando-se a pessoa visitante à revista mais detalhada, será impedida de ingressar no recinto prisional. Portanto, equilibram-se os direitos e interesses em jogo, preservando-se a intimidade individual e a segurança pública.Continue a ler »STF proíbe revista vexatória em presídios, mas admite inspeções íntimas em casos excepcionais

audiência de custódia

Audiência de custódia

Quer-se crer tenha havido a denominada interpretação evolutiva acerca de determinada norma, porque, no ano de 2015, emergiu um “direito fundamental” que estava hibernando há décadas – o que não é pouco tempo. Esse é o tempo em que vigora, desde 1992, no País, a Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica). Nem vem ao caso de onde, exatamente, partiu tal ideia, mas ela foi aplaudida por vários juristas.

O ponto crucial é a interpretação dada ao art. 7º (direito à liberdade pessoal), item 5: “(…) toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável (…)”.

Muito bem esclarece Raphael Melo, Audiência de custódia no processo penal, p. 141-142: “não se trata de algo totalmente inédito em nosso ordenamento jurídico. A apresentação obrigatória do preso ao juiz já era estipulada para a prisão realizada em período eleitoral (art. 236, do Código Eleitoral, Lei 4.737/65), nos casos de prisão executada sem a apresentação do mandado judicial nos crimes inafiançáveis (art. 287 do CPP), na hipótese de pedido de prorrogação do prazo para a conclusão do inquérito policial de indiciado preso, no âmbito da Justiça Federal (art. 66, parágrafo único, da Lei 5.010/66) e na apreensão de adolescente infrator por determinação judicial (art. 171 da Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA). Também já era prevista a apresentação do preso, mas como mera possibilidade, na prisão em flagrante pela prática de infrações de menor potencial ofensivo (art. 69 e parágrafo único da Lei 9.099/95) e pela prática do crime de porte para uso de drogas (art. 48, § 2º, da Lei 11.343/2006). Além destas hipóteses, o preso sempre deve ser apresentado em virtude de determinação judicial, sobretudo para verificar a legalidade da prisão e o respeito à sua integridade física, como previsto, inclusive, no procedimento do habeas corpus (art. 656 do CPP) e em caso de prisão temporária (art. 2º, § 3º, da Lei 7.960/89). Contudo, tais dispositivos legais tratam apenas da apresentação do preso ao juiz, não estabelecendo, propriamente, a realização de uma audiência de custódia, com seu procedimento, suas finalidades e com a presença do defensor e do promotor”.

No Brasil, a prisão em flagrante é feita, como regra, por policiais militares (polícia ostensiva, segundo a CF), que encaminham o preso à autoridade policial para a lavratura do auto de prisão em flagrante, se entender cabível. Sempre se considerou que o delegado, bacharel em Direito, concursado, tinha condições de analisar a legalidade da prisão, em primeira avaliação – situação não encontrada em outros países. A autoridade policial pode não somente relaxar a prisão, soltando o detido, como pode estabelecer fiança, sob determinados parâmetros. Eis a autoridade com funções similares à da autoridade judiciária.

Em suma, a primeira classificação do caso (tipificação) é feita pelo Delegado: se furto ou roubo, por exemplo. Ele analisa se cabe ou não o flagrante (art. 302, CPP); caso entenda não ser cabível recolher o preso, pode relaxar o flagrante e não o levar ao cárcere, soltando-o (art. 304, CPP). Formando a sua convicção no sentido de caber a prisão em flagrante, o Delegado ainda pode arbitrar fiança, que, uma vez paga pelo preso, o liberta de pronto (art. 322, CPP). Em nosso modesto entendimento, trata-se de uma autoridade com funções típicas do juiz (pode prender; pode soltar).

Mesmo assim, segundo o disposto no art. 306, § 1º, do CPP, o juiz teria, em suas mãos, o auto de prisão em flagrante, em 24 horas, analisando-o para manter a prisão, relaxá-la ou conceder liberdade provisória ao investigado. Nunca se ocultou o preso; não se decretava a prisão fora das hipóteses constitucionais (flagrante ou ordem judicial); não se pretendeu evitar que o juiz tomasse conhecimento do caso. Porém, a partir de 2015, passou-se a sustentar que o preceituado pelo art. 7º, item 5, da Convenção Americana dos Direitos Humanos, não vinha sendo cumprido. Eis o nascimento da audiência de custódia, que foi regulamentada pelo Conselho Nacional de Justiça, com o aval do Supremo Tribunal Federal e, após a Lei 13.964/2019, ingressou no Código de Processo Penal.

Com o passar do tempo, verificar-se-á que a audiência de custódia não vai solucionar o problema da superpopulação dos presídios (algo que depende de investimento do Poder Executivo), pois não será a presença do preso diante do juiz que incentivará esta autoridade a soltá-lo. Cada magistrado deve basear-se nas provas constantes do auto de prisão em flagrante para saber se cabe preventiva ou liberdade provisória (ou relaxamento da prisão).

Sob outro aspecto, não será a apresentação do preso ao juiz que fará cessar eventual tortura policial, ocorrida no momento da prisão. Isto somente diminuiria com a punição efetiva de maus policiais e depende de provas, que não são conseguidas na audiência de custódia. Aliás, para argumentar, sem a audiência de custódia, o preso sempre teve direito a advogado, que poderia representar contra policiais abusivos e exigir a apuração de crime de tortura ou de abuso de autoridade.

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Trecho extraído da obra Curso de Direito Processual Penal, Ed. Forense, 22ª Edição, 2025.

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Homologação de sentença estrangeira para efeitos penais

Admite-se a homologação de sentença estrangeira para os seguintes fins: a) obrigar o condenado a reparar o dano causado à vítima (art. 9º, I, CP); b) sujeitar o inimputável a medida de segurança (art. 9º, II, CP); c) propiciar a divisão dos bens sequestrados no território nacional entre o Brasil e o Estado requerente (art. 8º, § 2º, Lei 9.613/98). Atualmente, homologa-se a sentença estrangeira para o fim de cumprimento de pena imposta a brasileiro ou estrangeiro no exterior, que venha a residir em território nacional. Cabe relembrar ser inviável a extradição de brasileiro a requerimento de juízo estrangeiro para que ele possa ser processado ou cumpra pena por delito cometido no exterior. Diante disso, em princípio, caso um brasileiro cometa infração penal em território estrangeiro, deve ser processado no Brasil (as autoridades estrangeiras enviam as provas colhidas ao juízo brasileiro). Entretanto, pode haver o caso de ser um nacional processado e condenado por juízo alienígena, vindo a se refugiar em território brasileiro.

A partir da edição da Lei 13.445/2017 (Lei da Migração), o Superior Tribunal de Justiça tem entendido ser possível a homologação de sentença estrangeira para essa finalidade, com fundamento no art. 100 da mencionada lei. Para consulta de julgados do STJ homologando sentença estrangeira para a pessoa cumprir pena no Brasil: Carta Rogatória 15.889-EX (2020/0300292-2), rel. Humberto Martins, j. 19.04.2021; HDE 7.986/EX, Corte Especial, rel. Francisco Falcão, j. 20.03.2024, m.v. Destaque-se ter sido questionada no STF esta última decisão, mas o Pretório Excelso a manteve e o condenado se encontra cumprindo pena no Brasil.

A razão da necessidade de homologação consiste no fato de que as sentenças estrangeiras são fundadas em leis criadas pelo povo alienígena, motivo pelo qual integra a soberania da nação. Se, eventualmente, cumprisse o juiz nacional a sentença estrangeira, estaria, em última análise, seguindo a legislação igualmente estrangeira, o que não se afigura razoável, nem compatível com a sua própria soberania. Entretanto, em caráter excepcional, nos casos expressamente indicados em lei, pode-se homologar a sentença estrangeira, o que equivale a dizer ser ela nacionalizada, a partir de decisão do Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, i, CF). Assim fazendo, quando o magistrado cumprir a sentença estrangeira, na realidade, estará seguindo a decisão homologatória de tribunal brasileiro, que a substituiu.

Quando a sentença penal condenatória não for executada no Brasil, inexiste necessidade de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça. Há situações em que se considera a sentença estrangeira como fato jurídico, reconhecendo a sua existência, mas sem que juiz brasileiro seja levado a seguir os comandos nela inseridos. Assim ocorre para o reconhecimento da reincidência do réu (art. 63, CP) ou de maus antecedentes e, consequentemente, para negar o sursis ao condenado, bem como para o efeito de dilatar o prazo do livramento condicional.

Trecho extraído da obra Manual de Processo Penal – Volume Único, Ed. Forense, 6ª Edição, 2025.

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Registro de condenados

Lei 15.035/2024: Registro e fiscalização do condenado

A Lei 15.035/2024 inseriu os §§ 1º a 3º ao art. 234-B para constar que o sistema de consulta processual tornará de acesso público o nome completo do acusado, com CPF e a tipificação do fato, a partir da condenação de 1ª instância, pelos crimes dos arts. 213, 216-B, 217-A, 218-B, 227, 228, 229 e 230 do Código Penal, indicando a pena ou medida de segurança imposta, salvo se o magistrado determinar, de modo fundamentado, a manutenção do sigilo.

Caso o réu seja absolvido em grau recursal, deve ser restabelecido o sigilo das informações. É preocupante o dispositivo, tal como se encontra, tendo em vista a divulgação dos dados e da condenação de alguém antes do trânsito em julgado, o que nos parece lesar o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5.o, LVII, CF). Se divulgação houver, deveria consolidar-se apenas quando a condenação se tornasse definitiva e durante a execução da pena.

Outra medida, estendendo para um período indefinido, termina por afetar a ressocialização de quem cumpriu a pena.

Finalmente, a mesma lei previu a monitoração eletrônica para o condenado por esses delitos, por óbvio, durante o período em que cumpre pena, caso se encontre em regime aberto ou semiaberto. No regime fechado, estando recluso, não há motivo para monitoração.

Trecho extraído da obra: Curso de Direito Penal – Vol.3, Ed. Forense, 9ª Edição, 2025.

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Cannabis

Cannabis: uso recreativo e medicinal

A planta cannabis, popularmente conhecida como maconha, possui propriedades variadas, dentre as quais a de provocar efeitos psicoativos, quando é utilizada para recreação, bem como pode ser usada, conforme sugerem alguns estudiosos, para fins medicinais, com viabilidade para controlar convulsões, tratar depressão, ansiedade, insônia, dor crônica, glaucoma, diminuir tumores cancerígenos, prevenir o Alzheimer, dentre outras.Para a finalidade curativa não há necessidade de seu efeito de alteração psíquica, como regra; portanto, pode funcionar desligada do componente THC (tetrahidrocanabinol), a depender do critério do paciente.

Na mesma trilha, ressaltando o conteúdo medicinal, Renato Filev expõe que “o uso da planta e derivados mostrou efeitos consistentes na melhora, diminuição ou mesmo desaparecimento dos efeitos no tratamento de dor crônica originária no tecido nervoso. Dores oriundas de câncer, fibromialgia, reumatismo, lesões ou membro fantasma podem ser atenuadas por meio do efeito dos canabinoides. Existem extensos ensaios em um número abrangente de indivíduos que comprovam seus efeitos analgésicos, descritos há milênios.

Ainda, o consumo da planta é capaz de promover um potente efeito relaxante e antiespasmódico, o que faz que indivíduos com espasmos ou contrações involuntárias dos músculos sejam beneficiados por suas propriedades. Assim, é utilizada no manejo de doenças que atacam o sistema nervoso, como esclerose múltipla, Parkinson, entre outros”.

Inúmeras pessoas beneficiam-se da utilização da cannabis para tratamento de saúde, com resultados positivos, e a sua procura cresceu em quantidade exponencial, sem risco de overdose. Ainda assim, há resistência de órgãos devários países para reconhecer a sua importância e, com isso, regularizar o seu uso ao menos para fins medicinais. A Organização Mundial de Saúde chegou a propor a remarcação, no direito internacional, da cannabis, retirando-a da lista de produtos representativos de risco sério à saúde para a lista de drogas de uso terapêutico, embora outras agências da ONU não tenham atendido a essa solicitação, baseando-se em argumentos de segurança.

Das várias drogas consideradas ilícitas, a maconha apresenta um cenário particularizado, pois tem uma utilização de duplo aspecto – recreativo e medicinal –, sendo necessário avaliar essa questão de maneira diferenciada, ao menos no tocante à parte terapêutica. Observa-se, na prática, o ingresso de medidas judiciais para obter autorização de plantio e produção da cannabis, com o objetivo de tratamento de pacientes, sob argumentos variados, dentre os quais estado de necessidade (excludente de ilicitude) e inexigibilidade de conduta diversa (excludente de culpabilidade) para afastar a incriminação do art. 28 da Lei 11.343/2006. Parece-nos essencial revisar os critérios da Anvisa para essa finalidade, pois não se trata de uso ligado a mero entretenimento, mas um direito à saúde individual. E, justamente para não gerar o cultivo ilegal da planta ou a produção ilícita, há de se estabelecer as regras para tanto no território nacional, sem necessidade de importação, a serem efetivadas, preferencialmente, por lei, evitando-se a busca de solução por meio do Judiciário.

Trecho extraído da obra “Drogas: de acordo com a Lei 11.343/2006“, Editora Forense, 1ª Edição, 2025.

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Crianças e Adolescentes: Direito a visita familiar em internações

ECA, art. 12. Os estabelecimentos de atendimento à saúde, inclusive as unidades neonatais, de terapia intensiva e de cuidados intermediários, deverão proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação de criança ou adolescente.

Parágrafo único. Será garantido à criança e ao adolescente o direito de visitação à mãe ou ao pai internados em instituição de saúde, nos termos das normas regulamentadoras.13-A (Parágrafo único acrescido pela Lei 14.950/2024, em vigor após decorridos 180 dias de sua publicação oficial – DOU 05.08.2024)

De acordo com o art. 12 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA,  qualquer estabelecimento de atendimento à saúde (clínicas, hospitais, prontos-socorros etc.), público ou particular, deve viabilizar a permanência do pai, da mãe ou de um responsável junto do internado durante as 24 horas do dia.

A medida é salutar, pois o infante ou jovem sempre é um doente mais frágil que o adulto, até pela falta de amadurecimento e compreensão do que lhe acontece. Entretanto, é preciso destacar que se trata de um direito e não de uma obrigação. Há estabelecimentos que se recusam a internar o menor de 18 anos se não tiver o acompanhamento de um adulto responsável. Essa conduta é negar atendimento a quem precisa; verdadeira omissão de socorro. Por outro lado, em especial, nos hospitais públicos as condições oferecidas aos pais ou responsáveis da criança ou adolescente não passam de uma cadeira ao lado do leito hospitalar – isso quando se encontra um leito.

É preciso coragem legislativa para ir além da mera previsão de um direito; torna-se fundamental fixar as condições exatas para o seu exercício, dentro da órbita da dignidade humana, prevendo-se sanção para o descumprimento. Do mesmo modo, exageros devem ser evitados, pois há situações em que a presença dos pais ou responsáveis pode influenciar negativamente o tratamento médico, caso eles interfiram nas recomendações e procurem impedir medidas essenciais à saúde do internado; assim, o mais relevante é atender o interesse superior da criança ou adolescente.

Na jurisprudência: STJ: “2. A controvérsia posta no presente writ destina-se em saber se a limitação de horário da visita dos guardiães à criança que se encontra hospitalizada, em razão de inúmeros incidentes e desentendimentos destes com a equipe médica interdisciplinar, com ‘intervenções desautorizadas’, a ensejar o acionamento de força policial, evidencia ou não violação ao superior direito da infante de obter o  acompanhamento próximo e em período integral de seus responsáveis em seu tratamento médico, bem como ao direito de locomoção dos pacientes. 3. Em virtude do indispensável tratamento protetivo a que faz jus a criança, cujos melhores interesses são prioritários, o acompanhamento dos pais ou dos responsáveis durante o tratamento médico hospitalar, em período integral, tem expressa previsão legal no Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 12). Dispositivo legal semelhante consta, também em virtude de seu caráter protetivo, no Estatuto da Pessoa com Deficiência (art. 22). 4. Os preceitos legais em exame comportam um único norte interpretativo, voltado a promover, necessariamente, o atendimento aos melhores e superiores interesses do destinatário da norma protetiva, que é a criança, no caso dos autos, portadora de deficiência, a exigir maior cautela e cuidado na salvaguarda de seus direitos. 4.1 Em situação concreta, na qual a detida observância da norma protetiva não promove, idealmente, a preservação dos interesses da criança, mas, ao contrário, a coloca em risco, o regramento legal não poderá ser aplicado ou, ao menos, deverá ser flexibilizado, para que o direito e os melhores interesses da criança sejam efetivamente preservados. 5.No específico caso dos autos, o acompanhamento dos guardiães no tratamento médico da criança em ambiente hospitalar, em tempo integral, segundo os elementos de prova até aqui colacionados, tem se apresentado absolutamente temerário ao tratamento de saúde a que a criança se encontra submetida, o que, sob os auspícios dos melhores e prioritários direitos e interesses da criança, não se pode admitir. 5.1 A fundamentação central adotada na origem está lastreada justamente no reconhecimento de que a permanência dos guardiães, em período integral, no ambiente hospitalar, compromete o tratamento médico da criança, essencial a sua sobrevivência, colocando, portanto, em clara em situação de risco a sua segurança e saúde. Nessa medida, sem tecer dúvida alguma quanto à boa intenção dos guardiães, não se antevê nenhuma ilegalidade ou abuso de poder na decisão liminar que lhes impôs restrição na visita à criança, assegurando-lhes uma hora por dia, todos os dias. 5.2 Ademais, conforme assentado pelo Tribunal de origem em caráter liminar, o tratamento de saúde da criança tem demonstrado resultados positivos, a ensejar, em curto prazo de tempo, possivelmente, a tão desejada alta hospitalar da infante, o que não pode ser olvidado na presente deliberação. 6. Ordem não concedida” (HC 632.992/MG, 3.a T., rel. Marco Aurélio Bellize, 27.04.2021, v.u.). 

O parágrafo único deste artigo cuida de política infantojuvenil, iniciada há alguns anos, prevendo neste estatuto o direito de visitação da criança ou adolescente aos pais, quando estes estiverem privados da liberdade. A Lei 14.950/2024 incluiu o parágrafo único deste artigo, considerando os genitores internados em instituição de saúde.

Idêntica providência foi tomada pela Lei 12.962/2014 ao introduzir o art. 19, § 4º, deste estatuto, disciplinando a visita do infante ou jovem aos pais condenados a pena privativa de liberdade, assim como aos genitores que possam estar em acolhimento institucional. A Lei 13.509/2017 introduziu o art. 19, § 5º, no estatuto, para assegurar a convivência da criança com mãe adolescente em acolhimento institucional. O propósito dessas alterações legislativas visa atingir o saudável convívio do filho menor de 18 anos com pai ou mãe privado da liberdade, por qualquer origem, tendo em vista não ser admissível cortar os laços parentais, com a perda do poder familiar e colocação da criança ou adolescente em família substituta, de maneira automática.

Noutros termos, a situação enfrentada pelos pais, se privados da liberdade, não é causa absoluta para a perda do poder familiar, razão pela qual, por coerência, quer-se assegurar o direito de visita. No entanto, é preciso levar em consideração o superior interesse do infante ou jovem, que não pode ser obrigado a visitar o pai ou a mãe que esteja preso, além de que muitos genitores ignoram seus filhos, sem qualquer interesse na visitação. Então, é inviável aguardar muito tempo, inserindo-se o menor em abrigo, por exemplo, sem contato efetivo com os genitores, pois há uma perda inestimável de convívio familiar, com educação e amor. É preciso analisar cada caso com cautela.

Trecho extraído da obra “Estatuto da Criança e do Adolescente“, Editora Forense, 6ª Edição, 2025.

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Habeas corpus de ofício

Habeas Corpus de Ofício: Inovações legais e impactos na prática jurídica

Introdução ao Habeas Corpus de Ofício

Art. 647-A. No âmbito de sua competência jurisdicional, qualquer autoridade judicial poderá expedir de ofício ordem de habeas corpus, individual ou coletivo, quando, no curso de qualquer processo judicial, verificar que, por violação ao ordenamento jurídico, alguém sofre ou se acha ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção.

Parágrafo único. A ordem de habeas corpus poderá ser concedida de ofício pelo juiz ou pelo tribunal em processo de competência originária ou recursal, ainda que não conhecidos a ação ou o recurso em que veiculado o pedido de cessação de coação ilegal.

Lei 14.836/2024: Entendimento dos Tribunais Superiores

Este artigo foi introduzido pela Lei 14.836/2024, consagrando entendimento que já vinha sendo adotado por Tribunais Superiores. A 1a. Turma do STF e as Turmas Criminais do STJ, quando ajuizado habeas corpus contra decisão denegatória de HC prolatada em Tribunal de Justiça ou Regional Federal, em vez de ser utilizado o recurso ordinário constitucional, não têm conhecido a ação, embora verifiquem se há algum ponto relevante. Se for encontrada alguma ilegalidade patente, concede-se a ordem de ofício.

Aplicabilidade prática do art. 647-A e impactos na defesa dos Direitos Fundamentais

Atualmente, cuida-se da hipótese do art. 647-A. Todavia, não se limita a esta situação, podendo envolver qualquer outro cenário, desde que um juiz ou tribunal tome conhecimento de ato abusivo, gerador de violência ou coação em sua liberdade de locomoção, em processos de sua competência. Ilustrando, caso o tribunal, tomando conhecimento de uma apelação, perceber uma prisão indevida do acusado, independentemente de apreciar o mérito da causa, sem qualquer pedido da defesa, pode conceder HC de ofício, determinando a sua soltura.

Trecho extraído da obra Código de Processo Penal Comentado, 24ª Edição, 2025, Editora Forense.

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